Quando Elizabeth Bennett assume o risco de virar uma solteirona em Orgulho e preconceito, ela entende que isso faz parte do seu ideal: não é possível casar-se sem viver um amor verdadeiro. Os católicos de hoje, aumentando a aposta, falam na vocação do matrimônio, que incluiria muito mais do que o cumprimento de meia dúzia de «deveres de estado».
Jane Austen, a autora de Orgulho e preconceito, preferiu permanecer solteirona. Não quis fazer como a amiga de Elizabeth Bennett que aceitou o homem que as circunstâncias lhe propiciavam, em vez de submeter seu relacionamento ao crivo de um sublime ideal. A julgar pelo filme com Keira Knightley — confesso que o romance, digamos, não me pegou —, esse é o momento em que o espectador não deve ter mais dúvida nenhuma de que, na dupla indicada pelo título, é Bennett quem representa o orgulho, ficando o famoso Mr. Darcy com o preconceito.
Jane Austen teria notado a confusão entre o ideal e o orgulho. Se estamos destinados a grandes coisas, então só podemos aceitar o casamento se primeiro tivermos a certeza de termos encontrado nossa alma gêmea? Sem essa certeza, devemos evitar esse solene compromisso? E, se tivermos essa certeza, temos então o dever de iniciar essa aventura? Um dever com a própria alma que é maior do que o dever que se teria com os pais, com a sociedade?
São questões sérias — são questões, aliás, realistas e, sob certo aspecto, «econômicas». Se você vai assumir um compromisso para a vida toda, o melhor é ser realista. A grande questão, ainda nova no mundo de Orgulho e preconceito — a obra foi escrita em 1813 — é a do casamento por amor. Até um pouco antes, você se casava por dever, o que significava essencialmente que você se casava porque seus pais assim determinaram.
Convido todos aqueles que insistem no dever de estado a considerar o que era o casamento como um dever, e, pior ainda, um dever sacramentado pela religião: uma loteria com poucos ganhadores. Poucos eram os casais em que surgia ao menos uma amizade. Não parece insano supor que a vasta maioria das mulheres casadas e respeitáveis tenha sido estuprada pelo próprio marido ao menos uma vez na vida — quiçá na noite de núpcias. O próprio marido, por sua vez, estava preocupado sobretudo em mostrar sua virilidade aos outros, isto é, ele precisava ter filhos. Assim, cometia o estupro regularmente por «obrigação» (e tome aspas).
Porém, tendo um ônus de respeitabilidade menor do que o das mulheres, o homem ia a bordéis, onde encontrava, talvez, as únicas mulheres que, por dinheiro, associavam descontração e sexo. E nem admira. O clima em casa talvez fosse pesado. Afinal, nela havia uma mulher que poderia ser uma escritora, uma engenheira, uma arquiteta, mas que só podia ser uma dona de casa ocasionalmente estuprada em nome da «abertura à vida», uma mulher que talvez nunca tenha conhecido o prazer sexual (especialmente com o marido) e talvez até achasse esse prazer meio indecente.
Mesmo assim, num romance como O vermelho e o negro, a Sra. de Rênal, cujo casamento é bastante feliz para os padrões da época, ainda precisa recordar que seu marido é seu senhor, que ele tem autoridade sobre ela. Ela tem de medir as palavras com ele mais ou menos como os subordinados imediatos de Stálin precisavam poupá-lo de certas verdades. É só hoje, neste mundo moderno e perverso, que a mulher tem essa expectativa absurda de poder falar francamente com o marido, como quem fala com um igual.
Assim, o alto ideal romântico do encontro das almas como condição para o casamento era ao menos um vislumbre da possibilidade de não ter o destino da Sra. de Rênal e de tantas outras que tiveram sorte bem pior. Primeiro o encontro; primeiro, o acordo entre iguais feito na intimidade; depois, o compromisso perante a sociedade.
Na prática, se um homem e uma mulher solteiros descobriam uma certa afinidade, e começavam a cultivá-la, a expectativa passava a ser de que muito em breve ele a pedisse em casamento. Isso já era um progresso claro em relação a conhecer seu cônjuge no dia do casamento, e pedir a Deus para que vocês tivessem ao menos alguma afinidade. E era possível romper um noivado, mas era algo extremamente desonroso, que poderia manchar os dois para sempre: se você rompeu um compromisso no passado, por que não romperia outro no futuro? Quer dizer, então, que as suas intenções não eram «sérias»?
Foi por isso que, cem anos depois de Orgulho e preconceito, a humanidade inventou o namoro, que nada mais é do que a possibilidade de experimentar um relacionamento exclusivo sem que os envolvidos deixem de ser respeitáveis em caso de separação. Hoje, até, a expectativa se inverteu em relação ao mundo ligeiramente anterior a Orgulho e preconceito: casar sem namorar primeiro é uma insanidade até mesmo na opinião dos pais da noiva. Não é difícil imaginar um pai tendo uma conversa muito séria com a filha: «Mas você vai casar com esse homem que você acabou de conhecer…? Por que não fazem uma viagem juntos…? Eu pago… Minha filha, imagine casar com uma pessoa de quem você não gosta!»
E sim, é verdade. O risco de casar com uma pessoa de quem você na verdade não gosta continua existindo, mesmo com o namoro e com toda a flexibilidade nos relacionamentos. Porém, o risco de tomar a decisão errada, e por puro idealismo — por puro orgulho? — já foi investigado também pelo romance do século XIX. O mau casamento feito por livre e espontânea vontade, o mau casamento motivado pelos ideais mais sublimes e irrepreensíveis é o grande tema de Middlemarch — que talvez só pudesse mesmo ter sido escrito por uma mulher, Mary Ann Evans (com o pseudônimo de George Eliot), e que talvez seja o maior romance de todos os tempos.
Aqui, porém, já entramos no território dos adultos, e quem disse isso foi Virginia Woolf, que considerava Middlemarch «um dos poucos romances para adultos escritos na língua inglesa».