005 Até que ponto é possível vender a leitura?
A leitura não é uma viagem de avião, em que você sabe exatamente onde vai pousar
Embora eu esteja prestes a anunciar um microclube de leitura de oito semanas, gostaria de dizer que esta newsletter sempre terá seu valor próprio. Não pretendo escrever cartas de venda disfarçadas de reflexões.
A primeira newsletter enviada (ontem) aos assinantes pagantes foi uma longa reflexão sobre como o marketing digital lida com o fato de que somos imitadores (e de que não gostamos muito de admitir isso). Os pagantes serão os primeiros a receber as informações detalhadas do microclube de leitura, assim como um desconto especial.
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Até que ponto é possível vender a leitura?
Por causa do ofício de tradutor — e também por curiosidade — acabei lendo livros de marketing digital, os quais sempre têm algo de receita de bolo: eles vão dar o caminho das pedras para o sucesso da sua empreitada.
Não tenho nada contra o marketing, já vi muita gente talentosa incapaz de se vender e de se colocar no mercado, sempre dou o exemplo do livro Ausência viva, de Octavio Mora, cujos poemas deveriam ser estudados por adolescentes nas escolas.
Mas, ao mesmo tempo, tenho a impressão de que o marketing não serve bem para qualquer coisa, porque certas coisas são difíceis de empacotar como um produto. Uma dessas coisas é a leitura. Ninguém deseja a leitura em si. Ninguém gosta de «ler» em si, e sempre achei ridículo — graças a Deus isso acabou — que algumas pessoas fizessem questão de dizer que «gostavam tanto de ler que liam até bula de remédio».
Queremos ler livros dos quais gostemos. E por quê? Primeiro, porque simpatizamos com o narrador, com o ensaísta. Nesse caso, ele nos mostra o mundo de um jeito que nos interessa, e gostamos da sua voz — a leitura não se distingue de ouvir alguém interessante. Mas também podemos gostar de algum personagem, torcer por ele. Quem nunca esticou um pouco uma leitura, mesmo já cansado e com sono, só para saber o que ia acontecer?
A questão é que a leitura é difícil de empacotar porque ela já está muito próxima da finalidade da vida humana, que é a contemplação. Mesmo que você tenha um desejo mais ou menos claro ao procurar um livro — você pode só estar buscando um entretenimento mais interessante —, volta e meia você ganha muito mais do que pediu. É como se aproximar de uma pessoa porque ela é bonita ou tem alguma outra qualidade, e ganhar muito mais.
Caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Quando eu mesmo, mais de dez anos atrás, abri O vermelho e o negro pela primeira vez, estava apenas procurando um entretenimento mais interessante, e encontrei mil coisas que não esperava: a capacidade de um romance de descrever uma sociedade, semelhanças com o Brasil, e, pela primeira vez (isso já com mais de 30 anos de idade), a sensação de que a minha própria cabeça era stendhaliana.
Quer dizer, não dá para prometer que a leitura lava mais branco porque você não sabe exatamente aonde a leitura vai te levar. E fazer promessas vagas do tipo «descobrir mundos novos»…
Porém, dá para dizer — não que isso valha por um empacotamento e por uma venda — que um bom livro, bem lido, faz com que certas partes da realidade que estavam mudas, sem nome, das quais você não conseguia falar, de repente saem do plano de fundo e passam para o primeiro plano. É um pouco como ter uma dor — aquela famosa dor do Camões, «um não sei quê, que nasce não sei onde, / vem não sei como, e dói não sei porquê» — e de repente saber o que ela é, onde ela nasce, como ela vem, e por que ela dói.
Só não sei se isso vale como promessa de venda. Porque é o tipo de coisa que é muito clara para quem já leu, mas nem tão clara assim para quem não tem experiência de leitura. Com o agravante, tenho de admitir, de que a leitura pode te trazer problemas que você nem imaginava que existiam.
Ainda assim, lembro da primeira estrofe de um poema da grande Orides Fontela:
Sempre é melhor
saber
do que não saber.
Mas saber o quê?, você pergunta.
Depois de caminhar, descobriremos. Se hace camino al andar. A leitura não é uma viagem de avião em que você sabe exatamente aonde vai pousar e apenas espera que a viagem mesma seja tolerável, um sacrifício indispensável. Você espera já ir descobrindo algo no próprio caminho.
Se hace camino al andar.