026 Amor pelo Brasil, fascínio pela França
A França teve a amarga oportunidade de viver a guerra total
Este é o segundo texto exclusivo para assinantes em que preparo um pano de fundo para comentar melhor a possível candidatura de Éric Zemmour. Estou lendo seu livro Le Suicide français.
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Como todos os amores verdadeiros, meu amor pela França não veio de uma deliberação.
Entendo que é muito comum o brasileiro de classe média identificar-se mais com outra cultura. Esse nunca foi o meu caso. Como carioca, eu tinha a mais carioca de todas as crenças: eu via no Rio de Janeiro uma espécie de centro espiritual da humanidade. Cada dia passado longe do Rio me parecia um dia um pouco inferior.
Também entendo que tudo na minha vida parecia conspirar para uma anglofilia. No fim da adolescência, fui morar nos EUA. Pude conhecer Neil Postman na New York University e estudar num departamento não apenas dirigido por ele, como também moldado por suas ideias, que são muito importantes para mim até hoje. Depois da poesia em língua portuguesa, a poesia inglesa foi minha paixão. Mas não fui eu que escolhi ir para os EUA: fui levado. Nos anos seguintes, de volta ao Rio (que eu já não via mais como o centro espiritual do mundo...), amar Auden nunca me deu vontade de pisar na Inglaterra. Aliás, posso até achar bonito todo o visual das vetustas universidades inglesas, mas aquilo nunca despertou minha cobiça.
Por razões que têm mais a ver com a tentativa de linchamento que sofri na PUC e com uma desilusão cultural, cogitei viver fora do Brasil. Mas creio que nunca transformei esse anseio plano por um motivo simples: não me agrada fazer algo apenas por desgosto, como se eu fosse agarrar a primeira mulher que aparecesse depois de ter sido largado pela namorada. Creio ter me curado disso; hoje eu moraria fora por amor, por mil motivos, e porque, sobretudo, estou interiormente de bem com o Brasil.
Quando digo «o Brasil» estou falando de uma região mental que corresponde à cultura brasileira, e na qual eu poderia viver em qualquer lugar do mundo. A questão essencial — que será um dos temas da newsletter às vésperas do bicentenário da independência, em que também espero terminar a biografia de Bruno Tolentino — é ter modelos que sejam brasileiros.
Se falo do Brasil como cultura, é porque falo «Brasil» e, no meu caso, penso Drummond, Nelson Rodrigues, Bruno Tolentino, José Geraldo Vieira, Gustavo Corção, Olavo de Carvalho; conecto o que está nos livros deles com locais reais, especialmente do Rio de Janeiro em que cresci. Conecto alguma coisa que primeiro senti e não soube expressar com palavras que me vieram primeiro em português, ditas por brasileiros. E assim vou resolvendo o «dilema do mazombo» de Joaquim Nabuco, que dizia em Minha formação que o problema do brasileiro era ter a afetividade obrigatoriamente ligada à terra natal onde cresceu, e o intelecto voltado para a Europa.
(Obrigatoriamente porque, mesmo que você não goste do lugar onde cresceu, foi nele que você se formou.)
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Além de inesperado, meu amor pela França foi antes de tudo intelectual. Assim, não preciso estar na França, embora eu tenha sim um forte desejo de passar mais tempo nela para entendê-la melhor.