Este texto encerra a sequência de três textos exclusivos sobre a França, preparando o terreno para falar do livro Le Suicide français, de Éric Zemmour.
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Minha penúltima noite em Paris em 2013 acabou se tornando uma das noites mais marcantes da minha vida — tudo porque presenciei dois eventos que realmente escapavam à minha imaginação: a passeata contra o casamento gay, que foi a segunda maior passeata da história da França, e um musical baseado na Revolução Francesa que fazia mocinhas delirarem como se estivessem num show dos Backstreet Boys. (Ou qual será a boy band da vez? Isso ainda existe?)
(Devo dizer que, a rigor, sempre fui contra a mera existência do casamento estatal. Porém, como existem mil interferências na propriedade a partir do casamento estatal, e como não há sinal de que o Estado vá se retirar dessa área, sou a favor do casamento estatal gay. Eu poderia discorrer longamente a respeito, mas, por ora, devo dizer que sou ateu em relação ao Estado, que vejo no Estado apenas a gestão da força bruta, que algo ser sancionado ou promovido pelo Estado não torna essa coisa boa ou má aos meus olhos. A Igreja Católica quis fundir-se com o Estado um dia e agora paga o preço disso. A Igreja celebra casamentos que não deveriam ter acontecido, padres abençoam segundas uniões sem que a Rota Romana tenha avalizado a nulidade das primeiras núpcias… e um gay não pode ter seu companheiro como herdeiro? Give me a break.)
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Eu sabia que dia 13 de janeiro de 2013 seria o dia da passeata contra o casamento gay em Paris, mas achava que não seria nada de mais. Para dizer a verdade, eu imaginava que haveria uma contra-passeata e que haveria confusão. Só sabia que haveria passeata por ver os panfletos no metrô: na época, mesmo estando na França, eu não acompanhava a imprensa francesa. No dia 13, um domingo, o padre na minha igrejinha de St. Georges de la Villette não disse nada sobre o tema — ele só disse que a concentração seria na Place d’Italie. Sem a menor intenção de ir à passeata, ignorei.
Devo dizer que eu tinha ido à igreja na França esperando ouvir do padre que Deus não existia. A imagem que eu tinha era de um catolicismo morto e enterrado. O que encontrei, ao menos naquela paróquia, foi tudo menos isso: as liturgias, mesmo com o Novus Ordo, eram bonitas; o coral de paroquianos era esmerado e não havia o menor sinal de breguice; a igreja era lotada de jovens casais com filhos. Nada se parecia mais com o «condado» que tanto gosto de ironizar quanto a comunidade daquela paróquia — e afirmo meu gosto por estar nela sem a mais vaga ironia.
Um detalhe que me comoveu foi que os mendigos do bairro, que eu via nas ruas, frequentavam a missa junto com as pessoas — assistiam mesmo à missa, sentados nos bancos. Em 2013, a única criança que ficava agitada na igreja era o filho de uma mendiga que sempre me dizia bonjour quando eu passava a caminho do mercado ou da academia. Em 2014, quando passei um mês na Europa, fui assistir à missa na velha igreja e o filho da mendiga continuava lá, mas agora perfeitamente comportado e integrado.
Mas a passeata. Naquela noite eu ia com Priscila (então minha namorada, hoje minha esposa) ver o musical 1789: Les Amants de la Bastille, porque nós dois gostamos de musicais. E eu disse a ela: vamos de metrô, quero passar na frente da Torre Eiffel, eu nunca vi a Torre Eiffel.
Mal sabia eu.