É altamente provável que, ao longo da vida, uma pessoa sinta dois assombros diferentes, mas é preciso que ela preste uma certa atenção para que perceba o contraste entre os dois. Talvez a linguagem humana seja falha diante de um deles, conseguindo no máximo provocar sua sugestão, sua lembrança, mas, cada vez mais, ela consegue descrever o segundo, ainda que não consiga subjugá-lo.
Essas duas experiências podem ser vistas na arquitetura, por exemplo. Mesmo que o leitor nunca tenha entrado numa catedral românica ou gótica e só tenha visto seu interior em fotos ou em vídeos, é claro que os artesãos anônimos pretendiam que a luz, atravessando os vitrais, recriasse a atmosfera de pura paz da intimidade com Deus; que a altura de seu teto e o movimento vertical de suas colunas e paredes nos movessem a erguer os braços para cima, recordando que basta pedir para receber.
Por outro lado, ainda que eu corra o risco de ser polêmico, uma igreja como a basílica de São Pedro, no Vaticano, transmite uma sensação de poder mundano; sua imponência parece ter como objetivo colocar o fiel — ou o mero turista — de volta no lugar, e imediatamente faz pensar que o velho pescador do mar da Galileia de fato subiu na vida. A mesma sensação imperiosa pode ser facilmente reencontrada em Washington, D.C., ou, no estilo Jetsons que caracteriza Niemeyer, em Brasília. Os versos de Auden em «The Shield of Achilles» sempre me voltam à mente quando vejo esses prédios: *«The mass and majesty of this world, / All that carries weight and always weighs the same…»* («A massa e a majestade deste mundo, / Tudo que tem peso, sendo sempre o mesmo peso…»)
Apresentados em contraste, os dois assombros parecem inconfundíveis. Porém, há entre eles uma relação complicada, em que o primeiro, como experiência comum, parece depender do segundo, e o segundo tenta parasitar o primeiro.