Meu post «Toda profissão consiste em traduzir histórias» teve uma repercussão particular, com mais de um pedido para que eu desenvolvesse o tema, inclusive em ambientes corporativos. A questão que me interessa é que muitas vezes estamos diante de pessoas que não conseguem expressar com clareza aquilo de que precisam. Um trabalho de terapia, por exemplo, consiste em parte em você conseguir dar um nome para o seu problema, mas um nome que permita localizar, com telefone e endereço, o seu problema.
No entanto, muitas profissões envolvem a tradução do pedido de um cliente nos termos da própria profissão. Se digo que quero «guardar dinheiro para comprar um apartamento», o gerente do banco vai traduzir isso em produtos financeiros. Se digo que acordo com dor de cabeça, o médico vai fazer algumas perguntas e traduzir meu mal-estar num diagnóstico.
Minha experiência, em geral, é que essa parte da tradução poderia melhorar muito. Qualquer profissional sabe que os clientes não sabem se expressar direito, inclusive eu mesmo. Porém, não poderíamos esperar que os profissionais conseguissem expressar pelos clientes aquilo que os clientes não conseguem expressar?
Pensei nisso porque a maior parte da minha vida profissional foi justamente dedicada à atividade da tradução literária, isto é, em pegar um texto que tinha sido escrito em inglês ou em francês, sempre repleto de referências culturais subentendidas, numa sintaxe própria, e reproduzi-lo em português de um modo que o meu leitor pudesse entendê-lo com o máximo de clareza e de velocidade. Digo até que o maior elogio que recebi por uma tradução foi justamente «esse livro só é compreensível na sua tradução» — porque, além de traduzir o inglês, eu traduzi o academês para um português mais corrente. Fui infiel? Sim. Mas creio que foi uma infidelidade que serviu aos leitores e ao texto.
O tema também é compatível com o meu próprio projeto pessoal não apenas de trazer clareza, mas também de atuar como mediador entre partes que não se comunicam no conflito cultural. O conflito nunca se converte em debate justamente porque um lado nunca escuta o outro. Nesse ponto específico, descobri dois livros recentes, muito promissores, e comecei a lê-los: How to Know a Person, de David Brooks, e You’re not Listening, de Kate Murphy.
Para os assinantes, ofereço meu projeto.