A eutanásia segundo Michel Houellebecq
Segunda newsletter seguida com Houellebecq. Mas foi pura coincidência. O artigo de Houellebecq sobre a eutanásia me pareceu um daqueles artigos de opinião que antigamente davam vontade de abrir um suplemento cultural. Alguns argumentos que estão no peito de muita gente e não são formulados, outros que fogem ao cardápio habitual, e a condenação brutal na conclusão.
Penso em Bernanos. Uma das frases que mais me impressionou em Bernanos está no começo de A França contra os robôs. Ele diz que uma civilização acaba porque o tipo de homem que a compunha acaba. O exemplo que ele dá é o alistamento militar obrigatório. Depois que as pessoas se acostumam a achar normal o alistamento militar obrigatório, não existe mais o homem livre de antigamente. Algo do instinto da liberdade se perde. Depois que você acha normal que o Estado possa exigir que as pessoas sejam mortas num campo de batalha — o que só veio a acontecer no primeiro levante em massa da Revolução Francesa —, e isso quando a Igreja nem exigia e nem sequer pedia o martírio…
Houellebecq argumenta que os franceses são favoráveis à eutanásia porque imaginam a proximidade da morte como uma sequência de sofrimentos físicos sem sentido, ignorando que estes podem ser aliviados pela morfina e pela hipnose. Imediatamente pensei no papa João Paulo II, que enfrentou muitas convalescenças de operações sem anestesia, e que levou ao limite sua capacidade de enfrentar o sofrimento físico e continuar desempenhando o papel de papa. Numa perspectiva cristã, o sofrimento físico tem o sentido de participação da cruz de Cristo. Talvez este artigo seja um sinal de que aquelas duas últimas páginas de Serotonina, o romance mais recente de Houellebecq, apontam menos do que pensei para uma conversão.
Mas volto a Bernanos. Para mim, a questão é mesmo a das realidades que se tornaram invisíveis. Assim como o alistamento militar obrigatório foi abominável duzentos anos atrás sem que ninguém precisasse explicar por quê, agora é a eutanásia que vai dispensando explicações. A ideia comum de que «enquanto há vida, há esperança» perde força: não há mais esperança no milagre, não há mais esperança numa mudança de consciência que, na última hora, possa redimir a vida, não há mais crença naquela vida eterna que poderia dar sentido a esta vida.
Assim como o aborto é justificado porque abaixo de certos níveis de conforto material e de atenção a vida simplesmente não valeria a pena (isso apesar de os pobres e maltratados não se suicidarem em massa), agora a eutanásia parece valer-se desse mesmo pressuposto que ninguém enuncia claramente, talvez por desconforto.
Uma civilização que legaliza a eutanásia
perde todo direito ao respeito
Michel Houellebecq. Publicado em Le Figaro, 5 de abril de 2021. Tradução de Pedro Sette-Câmara
Proposição número 1: ninguém tem vontade de morrer. Em geral, preferimos uma vida apequenada a vida nenhuma; isso porque restam pequenas alegrias. De todo modo, quase por definição, a vida não é um processo de apequenamento? E existem alegrias que não sejam pequenas alegrias (o que mereceria ser aprofundado)?
Proposição número 2: ninguém tem vontade de sofrer. Penso no sofrimento físico. O sofrimento moral tem seus encantos, pode-se até fazer dele material estético (e eu não me privei disso). O sofrimento físico não é nada mais do que um inferno puro, desprovido de interesse e de sentido, do qual não se pode tirar ensinamento nenhum. A vida pôde ter sido descrita sumariamente (e falsamente) como uma busca do prazer; ela é, muito mais seguramente, um evitamento do sofrimento; e quase todo mundo, diante de uma alternativa entre um sofrimento insustentável e a morte, escolhe a morte.
Proposição número 3, a mais importante: o sofrimento físico pode ser eliminado. Começo do século XIX: descoberta da morfina; um grande número de moléculas aparentadas surgem desde então. Fim do século XIX: redescoberta da hipnose, que permanece pouco utilizada na França.
Por si, a omissão desses fatos pode explicar as assustadoras pesquisas de opinião a favor da eutanásia (96% de opiniões favoráveis, se bem me lembro). Noventa e seis por cento das pessoas entendem que lhes é apresentada a pergunta: “Você prefere ser ajudado a morrer ou passar o resto dos seus dias em sofrimentos assustadores?”, ao passo que 4% conhecem realmente a morfina e a hipnose; a porcentagem parece plausível.
Resisto à oportunidade de lançar-me numa defesa da descriminalização das drogas (e não somente das drogas «brandas»); esse é outro tema, a respeito do qual remeto o leitor às observações cheias de sabedoria do excelente Patrick Eudeline.
Os partidários da eutanásia deleitam-se com palavras cujo significado deturpam a tal ponto que eles não deveriam nem mesmo ter mais o direito de pronunciá-las. No caso de «compaixão», a mentira é palpável. O caso de «dignidade» é mais insidioso. Estamos seriamente afastados da definição kantiana de dignidade, trocando pouco a pouco o ser moral pelo ser físico (negando a noção mesma do ser moral?), pondo no lugar da capacidade propriamente humana de agir o imperativo categórico da concepção, mais animal e mais rasa, de estado de saúde, que se tornou uma espécie de condição de possibilidade da dignidade humana, até representar por fim seu único sentido verdadeiro.
Nesse sentido, raramente tive a impressão, ao longo de toda a minha vida, de manifestar uma dignidade excepcional; e não me parece que isso vá melhorar. Vou terminar de perder os cabelos e os dentes, meus pulmões vão começar a cair em pedaços. Vou ficar mais ou menos impotente, mais ou menos incapaz, talvez incontinente, talvez cego. Ao fim de algum tempo, atingido um certo estado de degradação física, acabarei obrigatoriamente por dizer a mim mesmo (ainda contente porque outros não me chamaram a atenção para isso) que não tenho mais nenhuma dignidade.
Bem, e daí? Se a dignidade é isso, pode-se muito bem viver sem ela; ela é dispensável. Por outro lado, todos temos mais ou menos a necessidade de nos sentirmos necessários ou amados; na falta disso, estimados — quiçá admirados, no meu caso isso é possível. Isso também, é verdade, pode ser perdido; nesse caso, porém, não se pode fazer grande coisa; nesse ponto, os outros desempenham um papel totalmente determinante. E eu me vejo perfeitamente pedindo para morrer apenas com a esperança de que me respondam: «Não, nada disso, fique conosco»; isso seria absolutamente meu estilo. E, no mais, confesso isso sem a menor vergonha. Temo que a conclusão se imponha: sou um ser humano absolutamente desprovido de qualquer dignidade.
Um truque habitual consiste em afirmar que a França está «atrasada» em relação aos outros países. A exposição de motivos da proposta de lei que em breve será apresentada a favor da eutanásia é, nesse ponto, cômica: ao procurar os países em relação aos quais a França estaria «atrasada», são citados apenas Bélgica, Holanda, e Luxemburgo; francamente, não estou impressionado.
A sequência da exposição de motivos consiste num amontoado de citações de Anne Bert, apresentadas como se tivessem «uma força admirável», mas que em mim tiveram mais o efeito desastrado de despertar a suspeita. Por exemplo, ela afirma: «Não, a eutanásia não tem a ver com o eugenia»; porém, é sabido que seus partidários, do «divino» Platão aos nazistas, são exatamente os mesmos. Ou ainda: «Não, a lei belga da eutanásia não incentivou os roubos de herança»; confesso que não tinha pensado nisso, mas agora que ela mencionou...
Imediatamente depois, ela acaba abrindo francamente o jogo ao afirmar que a eutanásia «não é uma solução de ordem econômica». No entanto, existem muitos argumentos sórdidos que só encontramos nos «economistas», até onde esse termo tem sentido. Foi precisamente Jacques Attali quem insistiu muito, numa obra já bem antiga, no preço que a coletividade paga para manter vivas pessoas muito velhas; e mal chega a surpreender que Alain Minc, mais recentemente, tenha ido pelo mesmo caminho. Attali é apenas Minc mais burro (para nem falar do fantoche que é Closets, que é como o macaco dos dois anteriores, seu Hanswurst).
Os católicos resistirão o melhor que puderem, mas, é triste admitir, já estamos mais ou menos acostumados a os católicos perderem sempre. Os muçulmanos e os judeus pensam sobre esse tema, assim como sobre vários temas ditos «societais» (palavra imunda), exatamente o mesmo que os católicos; a mídia em geral dissimula isso muito bem. Não tenho muitas ilusões, essas confissões acabarão por curvar-se, por submeter-se ao jugo da «lei republicana»; seus padres, rabinos, ou imames acompanharam os futuros eutanasiados dizendo-lhes que não é tão ruim assim, mas que amanhã será melhor, e que, mesmo que os homens os abandonem, Deus cuidará deles. Admitamos.
Do ponto de vista dos lamas, a situação sem dúvida é pior ainda. Para todo leitor consequente do Livro Tibetano dos Mortos, a agonia é um momento particularmente importante da vida do homem, pois lhe oferece uma última chance, mesmo no caso de um karma desfavorável, de libertar-se do samsara, do ciclo das encarnações. Toda interrupção antecipada da agonia é portanto um ato francamente criminoso; infelizmente, os budistas intervêm pouco no debate público.
Restam os médicos, em que eu tinha depositado poucas esperanças, sem dúvida porque os conheço mal, mas é inegável que alguns deles resistem, recusando-se obstinadamente a matar seus pacientes, e que eles talvez permaneçam a última barreira. Não sei de onde eles tiram essa coragem, talvez seja apenas o respeito ao juramento de Hipócrates: «Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a aconselharei». É possível; fazer esse juramento publicamente deve ter sido um momento importante de suas vidas. Em todo caso, é um belo combate, mesmo que se tenha a impressão de que é um combate «pela honra». Aliás, a honra de uma civilização não é exatamente nada; porém, o que está em jogo é algo totalmente diferente, no plano antropológico essa é uma questão de vida ou morte. Aqui, preciso ser bastante explícito: quando um país — uma sociedade, uma civilização — chega a legalizar a eutanásia, a meus olhos ela perde todo direito ao respeito. A partir desse momento, torna-se não apenas legítimo, mas desejável, destruí-la, a fim de que outra coisa — outro país, outra sociedade, outra civilização — tenha uma chance de surgir.