Pedro Sette-Câmara

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140 A vida como aventura

140 A vida como aventura

O Seminário Grandes Textos 2 discute um modelo que está desaparecendo

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jun 15, 2025
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140 A vida como aventura
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Outra vez, abaixo das informações, o leitor encontra um texto que vale por si.

Informações

Quatro encontros: aos sábados, 21 e 28 de junho, e 05 e 12 de julho de 2025, das 16h às 18h, pelo Google Meet (as reuniões são gravadas e compartilhadas com os participantes pelo Google Drive).

Preço por PIX: R$ 155, enviados para ps@pedrosette.com, R$ 135 para assinantes pagantes da newsletter. Por favor, envie o comprovante por email.

Preço por cartão: R$ 175 com pagamento pela Stripe. O assinante pagante da newsletter encontra um cupom de desconto de 14% ao fim da mensagem. Por favor, envie o comprovante por email.

E se você quiser os dois seminários do mês? Se você já se inscreveu (ou quer se inscrever, porque só tivemos uma reunião e a próxima será só no dia 25) no Seminário «Orgulho, Inveja, Acídia», pode só pagar a diferença até R$ 250 no PIX para ps@pedrosette.com, o que daria R$ 135 ou R$ 115 para assinantes pagantes da newsletter.

A vida como aventura

Foi quando comecei a frequentar o Instagram para valer, acho que ali por 2019, e notei o grande movimento da direita cultural, que primeiro tive a sensação de que os mais jovens são alheios a algo que para mim sempre foi o modelo da vida: a aventura. Ao invés de estarem abertos para o inesperado, os jovens têm uma insegurança tremenda, querendo ler livros não por prazer ou para conhecer coisas novas, mas sim para «formar o imaginário»; eles não têm indagações próprias, mas procuram manuais de argumentos para reforçar aquilo em que querem acreditar. Eles não querem entrar no oceano para ver o que há do outro lado, mas orientações garantidas para chegar a um destino já muito bem conhecido e mapeado. Tanto que é difícil pensar numa ilustração melhor do «espírito de velhice» de que tanto fala Georges Bernanos.

Agora, ao falar da vida como aventura, claro que não estou falando necessariamente de ter uma vida de «peripécias que dariam um livro», de cumprir missões junto a Kublai Khan e depois voltar para casa por perigosos desfiladeiros. Não é preciso, como Amyr Klink, ir à Antártida num barquinho. Não é preciso, num plano mais comum, ir viver no exterior e ter de se virar em outro idioma — até porque, hoje, também no exterior estão todos vendo as mesmas séries, usando as mesmas roupas, desejando as mesmas coisas, comendo o mesmo pão de fermentação natural acompanhado de seu matcha latte.

Verbalizar o pressuposto da «vida como aventura» traz um certo gosto de coisa que só é percebida porque está desaparecendo. É como mudar de ares e descobrir que o ar da sua terra natal tinha um cheiro diferente, ou como ir a um país estrangeiro e descobrir que não apenas ali se toma a água da pia, como essa água cotidiana também tem seu gosto peculiar. É sentir-se, de repente, relativizado, percebendo que aquilo que para você era um pressuposto jamais discutido de repente foi posto de lado, alterando toda a estrutura da vida.

Esse pressuposto estava nos textos que líamos, maravilhados, inclusive na universidade. Essa experiência de maravilha, de assombro, é que me motiva a oferecer os seminários; há um assombro especial em descobrir algo, inicialmente estranho, alheio, novo, que logo vai sendo integrado à sua vida e tornando sua visão mais ampla, mais… aventureira. E na vida como aventura há também um gosto pelo processo. Ninguém escreve um conto ou um romance sem gostar ao menos um pouquinho de mostrar, de entreter, de divertir, nem ninguém lê um texto de ficção ou mesmo um ensaio apenas por seus valores supostamente nutritivos para a alma, mas por gostar da leitura, da descoberta, dos passos percorridos, daquele resultado impremeditado que é transmitido como que por osmose, sendo o mais famoso, no caso da linguagem, a desnecessidade de ficar estudando regras gramaticais se você tem o hábito de ler. As regras entram no sangue.

Como falei, a vida como aventura é caracterizada principalmente pela abertura ao inesperado e até pela esperança de encontrar esse inesperado. «Vamos lá para ver o que acontece.» «Vamos experimentar para ver o que acontece.» Ir a um lugar na esperança de conhecer pessoas novas, ir a uma livraria para se deixar surpreender, sair andando pelas ruas sem ter um destino certo — isto é, aquilo que antigamente era chamado de flanar. As novas experiências que você teria ao «ver o que acontece» revelariam algo sobre você mesmo, e você iria conhecendo e construindo a si mesmo à medida que fosse vivendo e refletindo sobre as suas experiências — ou, nos famosos versos de Antonio Machado:

Caminante, no hay camino,
Se hace camino al andar
.

Como foi desaparecendo a vida como aventura?

Naquele ano de 2019, o tema da inteligência artificial ainda não era tão premente para mim. Eu apenas via que o futuro do meu ofício de tradutor literário estava sendo realmente questionado. Porém, eu já notava havia muito tempo a disseminação de formas mentais que, culminando hoje na ideia de que a IA deve ter uma espécie de palavra final, de ser o recurso definitivo, negavam a abertura ao inesperado.

Todas essas formas me parecem ter em comum o anseio de ir direto ao ponto, de destilar apenas o essencial, de simplificar tudo ao máximo e descartar aquilo que não pode ser simplificado. Nessas formas, o processo é desprezado e o resultado é supremo.

Devo ter cogitado isso pela primeira vez ao notar a onipresença do PowerPoint, a verdadeira língua de cultura do mundo corporativo e das apresentações acadêmicas. (Eu mesmo passei a preparar roteiros no Keynote, o PowerPoint das maçãs, para as reuniões dos seminários.) Entendo que a apresentação em PowerPoint é um gênero textual fechado que faz sentido dentro de um contexto. Mas não acredito, de tanto que estudei as tecnologias, que o PowerPoint — a sequência de slides com listas de itens, ou, em português contemporâneo, bullet points — seja «apenas uma ferramenta que pode ser usada de qualquer modo». Toda mídia induz um certo uso; não apenas ninguém escreve romances em PowerPoint, como também nunca encontrei um livro intitulado Os cem melhores PowerPoints brasileiros do século.

O PowerPoint é um exemplo conveniente porque consiste em texto. Sua forma é fácil de entender: há um argumento principal a ser comunicado, há argumentos acessórios que apoiam esse argumento principal. Esses argumentos acessórios podem ser exemplos ou outros argumentos. A atenção do ouvinte é capturada por meio de uma anedota peculiar e/ou de algum gancho que vá atiçar o desejo pela informação principal a ser transmitida. Os ganchos, aliás, hoje já parecem ter cruzado as fronteiras do ridículo, e espero o dia em que verei a chamada «E se eu dissesse que você pode derrotar o Godzilla com um limão e um caramelo?». No fim, todos os ouvintes levam para casa uma lição importante, de aplicação imediata, um limão e um caramelo.

Vou dar um exemplo de uma apresentação que eu mesmo criaria caso quisesse me valer desse formato:

Mensagem (a mensagem que você vai levar para casa, e que talvez só seja totalmente explicitada ao final): deixando de lado o Godzilla, peguemos algo banal, como «Escrever à mão é importante.» Isso aparece no título.

Principal argumento, ou testemunho pessoal: «Minha vida melhorou enormemente depois que passei a escrever à mão. Consegui ter a calma mental necessária para concluir o mestrado e o doutorado. Enchi cadernos estudando a teoria mimética e comparando-a, por exemplo, com a psicologia cognitiva de Daniel Kahneman. Hoje posso dar seminários a respeito da teoria mimética. Este texto aqui nasceu no meu caderno.» É a primeira parte da apresentação. Em seguida, vem o miolinho.

Argumento de apoio 1: «Você deixa a sua mente mais lenta e mais aberta a fazer conexões inesperadas.»

Para o Argumento de apoio 2, eu procuraria algo bem ao gosto do freguês moderno: «Estudos da Universidade de Texas Massachusetts Ohio provam que quem escreve à mão tantos minutos por dia vive em média 8 anos a mais do que quem nunca escreve à mão e tem um índice de felicidade 31,416% maior do que quem não escreve à mão.»

Conclusão: «Largue o teclado e escreva à mão tantos minutos por dia.»

Além do meu exemplo algo piadístico aí em cima, temos o exemplo do manual de argumentos, que é o texto — ou vídeo, ou um livro inteiro, com centenas de páginas — em que um assunto é tratado não como um problema a ser apresentado para que o leitor tire suas próprias conclusões, mas como uma espécie de petróleo que o autor, como uma Petrobras da cultura, vai extrair e refinar até que chegue a uma forma pronta para o consumo imediato numa situação específica: a discussão na mesa de bar, a discussão no almoço de família, a «discussão» no Twitter (e, nesse caso do Twitter, a «discussão» pediria muito mais mais aspas ainda).

O mundo dos resultados

Tomemos um problema venerável como a existência de Deus. Dentro do modelo da vida como aventura, mesmo que você creia ou não creia, você vai se perguntar o que se quer dizer por Deus, vai respeitar ao menos algumas experiências de crença e descrença, não vai presumir que o «outro lado» é composto de um bando de idiotas delirantes ou de pessoas que ainda não viram o vídeo definitivo do YouTube a respeito do tema. Antes, pelo contrário, você presumiria, um pouco por instinto, que, mesmo que a má-fé, a burrice, e a má vontade existam, no fim somos todos meio peregrinos, e em algum momento ainda vamos esbarrar em algo que não pode ser ignorado; porém, cada um tem seu tempo.

No mundo powerpointizado, a discussão nem existe. Você já é convidado a ver «como Fulano calou o Importante Intelectual Beltrano». Você não vê o jogo, só aquilo que alguém chamou de «gol». Só aquilo pode ser levado imediatamente para a mesa do bar, para o almoço de família, para o Twitter, etc. É como se você achasse que viajar — isto é, perguntar-se como foi que aquela pessoa chegou àquele lugar — só interessa porque você pode comprar coisas vistosas para levar para casa. Você não espera aproveitar a viagem, não espera ser surpreendido; você já quer saber qual será a sua vantagem.

Mesmo que não haja intenção belicosa, o formato da informação simples esquematizada e interessante o suficiente para passar por entretenimento já tinha, também, encontrado outra consagração no formato do Ted Talk. Nela, aquilo que é surpreendente — ou, no linguajar moderno, «contraintuitivo» (que na verdade é um termo técnico de Daniel Kahneman para indicar uma constatação que contraria juízos feitos rapidamente, os quais Kahneman chama de «intuições») é apresentado por alguém que, apenas por estar diante de uma plateia, assume a posição de modelo mimético. Se essa pessoa está apresentando um Ted Talk, então ela deve ser ouvida.

(O leitor desta newsletter é acima da média e entende que não estou falando mal do Ted Talk em si, nem do PowerPoint em si — estou falando da predominância do formato, derivado também da frase «me explique como se eu tivesse dois anos».)

Esse modelo mimético que vai distribuir informações valiosas, por sua vez, tem um papel claro dentro de outro esquema fechado que passou a dominar a cultura popular: a jornada do herói. Se você está ouvindo, você é o herói, e quem está falando é o mago que vai dar informações valiosas para que você cumpra a sua missão — e essa missão, é claro, envolve o enriquecimento e ser um dia convidado para dar um Ted Talk. De influenciado, você passará a influenciador.

Nesses formatos, o inesperado só tem um lugar, um único lugar, que fica no no comecinho da história: você precisa como que ter a sorte de reparar em algo em que ninguém está reparando. Essa aposta no «contraintuitivo» vai se tornar o seu «diferencial». Esse diferencial também aparece naquela anedota que pretende atrair a atenção do leitor / espectador: «Eu estava fritando hambúrgueres em Madureira, pecador, paraplégico, canceroso, quando notei que ninguém prestava atenção em X; pois foi X que me tirou do pecado, me fez andar, me curou do câncer, e ainda me deu, (fala para um público feminino), essas bochechas chupadas, essa sobrancelhas grossas e desenhadas, esses lábios volumosos; (fala para um público masculino) esses músculos e essa ausência de pescoço. Agora eu vou te ensinar X para você ficar igual a mim.»

O mais irônico — mas, se você pensar bem, certamente não imprevisível — é que o fim do pressuposto inconsciente de que a vida é uma aventura foi sendo substituído pelo discurso direto da aventura. Hoje, não há quem não tenha ouvido falar da «jornada do herói» e não pense que, para vender um sabonete, é preciso evocar a «ancestralidade» da tribo contando histórias em torno da fogueira. Tudo isto, porém, diz respeito a finalidades já determinadas. Ou você promete uma solução específica e definida («esta aspirina vai aliviar a sua dor de cabeça») ou promete uma «transformação de vida» que está a serviço do orgulho e que também já tem um destino definido («seja um pilar da sociedade», «sustente uma família», «mantenha seu marido interessado»). Quanto mais se fala em «jornada do herói» ou na estrutura das histórias, menos espaço sobra para o inesperado, exatamente porque há uma entrega a ser garantida. Hoje prestigiamos só quem garante a entrega, não quem se arrisca sem ter certeza do resultado, ou em nome de um resultado aberto, desconhecido, e que pode fracassar.

Programa

Para o seminário «A vida como aventura», voltei a alguns textos que capturam a sensação de deslumbramento com o mundo, de que basta uma certa abertura do olhar para viver no mesmo assombro.

Primeira reunião, 21/06:

— Formas mentais abertas e fechadas. Um recapitulação do que foi dito neste texto com uma comparação do formato do ensaio, usando como exemplo os capítulos I, III, e IV de O pintor da vida moderna, de Baudelaire. (Os capítulos já estão disponíveis para para quem se inscrever.)

Segunda reunião, 28/06, com participação de Priscila Catão:

— «Batendo pernas nas ruas: uma aventura em Londres», que o leitor encontra nos Ensaios seletos de Virginia Woolf (também disponível para os inscritos).

Terceira reunião, 02/07:

— O capítulo inicial do maravilhoso L’Arrière-pays, de Yves Bonnefoy, que estou traduzindo só para o seminário;

— «Ulisses», de Octavio Mora (o que lembra, até, que a Odisseia é o grande texto da vida como aventura), além de «Ítaca», de Kaváfis, e de sua paródia «Atlantis», de W. H. Auden.

Quarta reunião, 09/07:

— Para discutirmos a questão da compatibilização entre a fidelidade aos grandes modelos e «a vida como aventura», o ensaio «Inovação e repetição», de René Girard (que também estou traduzindo).

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