Bruno Tolentino: o poeta que será lido no ano 2500
Bruno Tolentino para o ano 2500: somos os pioneiros
Esta newsletter é esquisita: ela anuncia . Esta aqui vai continuar, porque terei grandes projetos para anunciar, para discutir, mas um projeto antigo precisa ser concluído: a biografia de Bruno Tolentino. Os assuntos dela, os produtos relacionados a ela, ficarão na nova newsletter.
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Todos os escritores que conheci parecem pessoas comuns. Nada na personalidade deles é muito chamativo. A exceção foi Bruno Tolentino: com ele, você tinha a sensação de entrar, estonteado, no País das Maravilhas. Claro que muita coisa que ele dizia era mentira, mas eram mentiras tão bem contadas que... ou você estava embevecido demais para pará-lo, ou não ia fazer o papel de idiota que corta a ilusão — afinal, ninguém se levanta no meio de uma peça de teatro para interromper o ator e dizer que não, não estamos no reino da Dinamarca.
Mas parece um pouco errado apresentá-lo assim. Aquela personalidade exuberante, o arquétipo romântico de «poeta», nada disso seria convincente se sua obra não tivesse chegado primeiro. Depois que li Os deuses de hoje e As horas de Katharina, o Bruno Tolentino que conheci em agosto de 1997 poderia usar permanentemente uma melancia no pescoço que eu continuaria ouvindo-o falar por horas e horas (e ele falava por horas e horas), valorizando cada segundo. Mais ainda, eu não estaria aqui escrevendo esta newsletter se sua obra não tivesse ficado comigo, se eu não tivesse voltado a ela inúmeras vezes, se não soubesse uns tantos seus poemas de cor, se vários versos seus não estivessem na ponta da língua.
Ele faleceu em 27 de junho de 2007 em São Paulo. Eu morava no Rio. Chovia. A notícia chegou por email, de manhã, na tela do meu iMac. Aquelas «atualizações» da lista de mensagens do Gmail que você deve conhecer. Foi a terceira pessoa próxima de mim a morrer naquele mês de junho, logo depois de eu completar 30 anos. A pessoa anterior tinha sido o pai de um amigo, aliás colega de Bruno Tolentino no São Bento, na infância. Eu não tinha a menor ideia de que um dia cogitaria escrever sua biografia. Talvez ele não aprovasse.
Eis que, sete anos depois, eu tinha me casado e ia começar o mestrado em literatura comparada na UERJ. A lembrança do Bruno estava sempre comigo. E de repente aparece Simon Pringle, o inglês que foi o grande amor da vida daquele grande poeta católico, bissexual, e com um pé na umbanda. Simon chega com um livro incrível, «Das Booty», que conta a história real de como eles transportaram 130 quilos de haxixe do Marrocos até a Inglaterra, atravessando o Mediterrâneo de barco (numa tempestade) e o continente europeu num Jaguar cor de rosa.
Foi quando comecei a traduzir o livro de Simon Pringle que pensei: é hora de uma biografia. Parece algo insano, mas é hora de uma biografia. É preciso falar bem inglês e francês, ter os contatos... Eu tenho. Parece insano. Mas é necessário. A vida espetacular de Bruno Tolentino pode prestar um serviço à obra de Bruno Tolentino. Como alguém conheceria aquela figura e não desejaria ler seus poemas?
Em 2014, acertei tudo com a editora Record. Fui à Europa. Fiz longas entrevistas em Oxford, Londres, Marselha, e Paris. Pude me encontrar com Yves Bonnefoy, grande escritor francês, que sem dúvida foi a maior influência intelectual de Bruno Tolentino. Em 2015, Simon veio ao Brasil. Entrevistei-o longamente. Lançamos seu livro.
Porém... Em 2015, eu já tinha entrado no doutorado em literatura comparada. Depois de fazer o mestrado em um ano e de emendar o doutorado duas semanas depois da defesa da tese, tive uma crise de estafa. Antes de ter covid em 2020, eu teria dito que foi a pior coisa por que passei. Para completar, meu orientador na UERJ me disse: nada de biografia até terminar o doutorado. O que é justo: ganhei a única bolsa por ter entrado em primeiro lugar. E depois, por causa da tese, passei um tempo em Buenos Aires.
Terminado o doutorado, em 2019, fui para São Paulo, onde fiz algumas entrevistas. Voltei ao Rio em março de 2020, para finalizar a fase carioca da pesquisa, que trata principalmente da infância e da juventude de Bruno Tolentino (que se mudou para a Europa antes de completar 24 anos, em 1964).
Já vão quase seis anos de trabalhos esparsos, de estudos da obra, de organizações, e de poucas entrevistas. Agora, porém, chegou a hora de retomar o projeto para valer e terminar essa biografia. Chegou a hora de voltar a passar muito tempo falando de Bruno Tolentino, refletindo sobre o que significa escrever uma biografia, sobre meu modelo — até agora, o Emmannuel Carrère de Limonov e de Outras vidas que não a minha (este, um dos meus livros favoritos de todos os tempos, que já reli várias vezes) me parece perfeito —, e efetivamente escrevendo.
Esse processo, porém, vai acontecer em outra newsletter. Será um diálogo mais concentrado. No oceano de informações da internet, será uma conversa sobre uma obra que será conhecida daqui a séculos. Somos a primeira geração de leitores dela. Teremos muito o que fazer. Eu mesmo não poderia estar mais empolgado.