Oficina de escrita — ao fim desta newsletter, acrescento a proposta de Oficina de Escrita que enviei hoje a dezenas de interessados que me pediram mais informações pelo Instagram.
Saudades da esquerda — Até algum momento da década de 1980, talvez até da década de 1990, rejeitar a cultura de massas, a «sociedade de consumo», e decidir criar os filhos à margem do sistema escolar era uma causa eminentemente de esquerda. Muitos devem lembrar-se de Ivan Illich, o padre austríaco que morava no México e escreveu Sociedade sem escolas. O título é uma adaptação do difícil Deschooling Society, que seria algo como «desescolarizar a sociedade».
Um argumento essencial de Illich é simples de enunciar e já faz parte do senso comum. A partir de certo ponto, toda instituição abandona sua finalidade nominal e começa a trabalhar para si mesma. A escola começa a trabalhar para a perpetuação da escola. O governo, para a perpetuação do governo. Coerente consigo mesmo, Illich simplesmente fechou seu centro de estudos em Cuarnevaca quando este, a seu ver, ficou grande demais.
Hoje, porém, a esquerda não é mais illichiana, e muito menos libertária: a esquerda é quem mais insiste na institucionalização da sociedade, no poder das instituições, na necessidade daquilo que o professor de História na escola chamava de «despotismo esclarecido». A esquerda defende ONGs — instituições — que produzem melhorias sociais calculadas em diversos lugares do mundo.
Quem duvida de ONGs, da escola, do governo, da grande mídia hoje é taxado de maluco — e de maluco direitista fascista.
O senso comum vai ficando cada vez mais tacanho. Sinto falta da esquerda libertária, que virava a mesa do senso comum.
Aventura — Não sei até que ponto essa institucionalização é também responsável pela perda de flexibilidade intelectual e de um certo senso de aventura.
Nos anos 1960, o jovem René Girard, doutor em História, foi chamado para dar aula de literatura francesa, e logo escreveu Mentira romântica e verdade romanesca, livro de crítica literária que também contém uma filosofia do desejo. Girard citava a noção de double bind de Gregory Bateson, antropólogo que trabalhou com… esquizofrenia. Seu livro mais famoso, que deve ser lançado no Brasil este ano, é Steps to an Ecology of Mind. Jean-Pierre Dupuy tem formação em exatas e, após trabalhar com o próprio Ivan Illich, passou para a filosofia.
Hoje, em muitas universidades do Brasil (não era assim vinte anos atrás…), você teria dificuldades para sequer ser admitido como aluno de doutorado caso não tivesse a graduação e o mestrado na mesma área desse doutorado. Uma combinação que me parece excelente, graduação em História, pós em Letras, não seria mais possível.
Um amigo que é professor universitário ainda me conta que ouviu de uma professora da USP: «Se ninguém já pensou o que você está pensando, então provavelmente o que você está pensando está errado.» E eu lhe disse que isso me lembrava da primeira aula de Olavo de Carvalho a que assisti, em 1997. Olavo comentava o texto «Por que filósofo?», do uspiano José Arthur Giannotti, que dizia que a filosofia consistia em comentar textos.
Algumas pessoas que me leem sentem horror à mera menção do nome «Olavo de Carvalho». Senhores, quando a universidade lhes diz que não resta mais aventura, que só existe especialização e comentário, não é compreensível o atrativo de um professor independente que, como aquela esquerda libertária da década de 1980, quer virar essa mesa?
(Eu sei que muitos dirão: «Sim, mas…» Já conheço as suas ressalvas, e talvez até as entenda, ao menos um pouco; agora, porém, eu só queria o seu «sim».)
Duas leituras — E duas leituras «a não perder», como dizem os portugueses. Na revista Unamuno, entrevista com Alexandre Soares Silva. Na Folha, Alex Castro escreve — podem começar a abanar os leques — uma resenha negativa!
Itamar — Ok, talvez essa resenha acabe um pouco eclipsada pela reação exagerada do escritor Itamar Vieira Jr. à resenha menos do que positiva de seu último romance feita pela professora Lígia C. Diniz.
Itamar Vieira Jr. publicou Torto arado, que não li, mas lerei, e que já vendeu 700 mil exemplares. Para os padrões brasileiros, é algo comparável a Paulo Coelho. É um fenômeno. Paulo Coelho, diante de resenhas negativas, também acusava preconceito.
Tenho saudades da esquerda dos anos 1980.
Pola Oloixarac x Javier Milei — Não sei se faz um ou dois anos que me interesso por Javier Milei, cujo discurso econômico é essencialmente um artigo anarco-libertário que eu mesmo teria escrito aos 21 anos. Fui perdendo o interesse por Milei ao ver sua monotonia e sua insistência em usar as imagens de Trump e de Bolsonaro.
(Porém, o mileísmo me interessa muito. Por que surgem essas figuras forasteiras? Será que em vários países o povo se sente diante daquela professora da USP?)
Não é que eu pretenda bancar o limpinho exibindo meu horror de Trump e de Bolsonaro. É que eles perderam. Se quero ganhar uma eleição, por que usaria a imagem de um perdedor?
A pergunta, é claro, é fácil de responder se eu sair do meu próprio ponto de vista: para manter a imagem de outsider e garantir a vitória moral em caso de derrota eleitoral. (Mas de que serve ganhar moralmente uma eleição?)
Era Lula quem, como presidente, também se colocava como vítima de uma elite. (E nisso remetia a Jânio Quadros, vítima das «forças ocultas».)
Tivesse eu uma coluna no jornal, e passasse a efetivamente ler jornais, talvez não resistisse a apontar mefistofelicamente as semelhanças entre a «direita» e a «esquerda». Quem está fazendo isso na Argentina é Pola Oloixarac. Seus artigos deveriam estar sendo traduzidos e publicados no Brasil.
(Eu gostaria muito de passar um tempo na Argentina no segundo semestre. Queria estar em Buenos Aires antes da eleição, durante a eleição, e, caso Milei vença, durante a posse, que será em dez de dezembro.)
Prosa Livresca 002 — Aqui vai!
A Oficina de Escrita, enfim —Este foi o email que enviei. Caso queira se inscrever (e as turmas já estão sendo preenchidas…), pode apertar reply aí no seu email!
***
Obrigado pelo seu interesse na Oficina de Escrita!
Esta mensagem será longa e detalhada — separe um momento para lê-la com calma. Você manifestou interesse numa oficina de escrita. Nosso meio de comunicação principal será o texto, e o texto pede calma.
Para tirar qualquer dúvida, ou para fazer sua inscrição, responda este email (após lê-lo integralmente) com outro email. Por favor, não use o Instagram. O email terá prioridade.
Proposta da Oficina de Escrita
A Oficina de Escrita se baseia em dois cursos que fiz em Nova York no ano de 1995. Ambos tiveram o formato de writing workshop, isto é, de oficina de escrita.
O primeiro foi um curso livre do American Language Program da Columbia University; o segundo eu fiz como aluno de graduação na New York University.
Os dois cursos, especialmente o primeiro, estão entre as grandes experiências da minha vida. Conheci um modelo educacional que não correspondia a nada que eu tinha conhecido até então. Na escola, no Brasil (eu tinha 17 anos quando fiz o primeiro curso, e 18 quando fiz o segundo), esperava-se que sempre escrevêssemos redações desde o ponto de vista de um planejador central com plenos poderes para resolver qualquer problema. Devemos fazer X ou Y? Devemos proibir A ou B? Qual o verdadeiro sentido de tal coisa (sendo que «tal coisa» é a causa social do momento, como, por exemplo, foi a «transparência» nos anos 1990)?
Enquanto nas escolas que frequentei no Rio de Janeiro havia um clima generalizado de bom-alunismo e de conformidade, em Nova York vi algo totalmente distinto. Os alunos eram incentivados a manifestar suas próprias opiniões. O objetivo era que eles fossem capazes de argumentar bem, não que chegassem a uma conclusão definitiva. Havia uma grande consciência de que diversas questões só têm mesmo soluções provisórias que precisam ser contextualizadas.
Assim, a ideia era conseguir mapear a situação e encontrar algo de relevante para dizer. Era um trabalho retórico, em conformidade com o projeto da liberal education — e uso a expressão em inglês para distingui-la do confuso projeto de «educação liberal» difundido em alguns ambientes da direita brasileira. O college americano é o lugar aonde o aluno vai para abrir a cabeça, conhecer novas ideias, falar melhor, escrever melhor.
Depois, cursando a universidade brasileira, descobri que, ao menos no meu curso de Letras, ela tinha viés profissionalizante desde o primeiro dia. Seu objetivo não era ensinar o aluno a expressar-bem na esfera pública, mas a produzir trabalhos acadêmicos para a leitura de outros acadêmicos. Creio que é por isso que, pelo menos desde os anos 1990, a maioria dos artigos (incluindo os bons artigos) que os jornais brasileiros publicam em suas páginas de opinião e em seus suplementos literários traz um certo sabor de professor universitário que se desincumbe da obrigação moral de falar com o público, esse distinto desconhecido.
(Agora, devo dizer que, na minha graduação na UFRJ, tive a grata surpresa de encontrar em João Camillo Penna um verdadeiro professor do estilo americano, capaz de instigar os alunos a falar e de conduzir discussões como ninguém.)
Tudo isso ainda poderá ser mais discutido durante a oficina. Porém, para resumir, o objetivo é retomar aquele projeto da liberal education: incentivar o aluno a dizer o que pensa, ajudá-lo a descobrir o que pensa, criticá-lo para que seja capaz de dizer melhor aquilo pensa. Não é à toa que os americanos cultivam a forma do essay, do ensaio, da tentativa — e, em inglês, a palavra essay abrange desde a redação de colégio até os mais prestigiados textos de Joan Didion (que devemos ler na Oficina).
Programa (provisório)
Para que a Oficina nem fique tão solta, com um tema distinto para cada aula, nem se pareça um curso universitário monotemático, decidi dividi-la em três grandes blocos. Estes são alguns textos selecionados até agora; porém, a seleção pode mudar. É importante que ela não comece totalmente fechada.
Com a provável exceção do livro final, Esaú e Jacó, de Machado de Assis, devo enviar por email todos os textos.
Além dos textos listados, discutiremos artigos de jornal e outros textos menores em cada aula.
Primeiro bloco: Tecnologia
Neil Postman, capítulo de Amusing Ourselves to Death (vou traduzir e enviar aos alunos)
Georges Bernanos, capítulos de A França contra os robôs
Ivan Illitch, capítulo de A sociedade sem escolas
Ananda K. Coomaraswamy, capítulo de A filosofia cristã e oriental da arte
Walter Benjamin, A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (até agora, como uma sugestão suplementar, não como leitura da aula)
Segundo bloco: A invenção do realismo / Em busca da verdade
André Chastel, «A arte do gesto no Renascimento»
Emmanuel Carrère, capítulos de Outras vidas que não a minha
Natalia Ginzburg, «As relações humanas»
Joan Didion, textos a selecionar
Alain, textos a selecionar
Nelson Rodrigues, textos a selecionar
Terceiro bloco: o século XIX no século XXI
René Girard, «Problemas de técnica em Stendhal e em Flaubert» (É recomendável ler O vermelho e o negro, de Stendhal.)
Machado de Assis, Esaú e Jacó, primeira metade
Machado de Assis, Esaú e Jacó, segunda metade
Informações de pagamento
Os pagamentos serão feitos para a minha empresa, e fornecerei nota fiscal. Pago impostos, tenho contador, tudo nos conformes. Sou um anarco-libertário que não tem medo do Leviatã e dorme bem à noite.
Ofereço duas opções de pagamento.
PIX de R$ 3.000,00.
Pagamento de R$ 3.150,00 via Stripe no cartão de crédito. O aumento do valor cobre as taxas da Stripe, que é a ferramenta que já uso na newsletter. A Stripe deixará você escolher seu número de parcelas, com juros para você — exatamente como aconteceria com a Hotmart, por exemplo. Lembre-se de que você precisa ter disponível o saldo total no cartão, não o de cada parcela.
O pagamento garantirá o seu lugar em uma das turmas da Oficina de Inverno. Ele não é reembolsável. Não estou oferecendo garantias para arrependimento. Caso você tenha algum problema de saúde durante a Oficina, converse comigo.
A Oficina não é um produto digital que consiste em aulas gravadas. Um curso de aulas gravadas pode ter 50 ou 50 mil alunos sem que isso altere os custos de sua produção.
Por outro lado, uma oficina conduzida inteiramente ao vivo tem vagas limitadas. Como o objetivo é instigar cada aluno a expressar-se, as turmas não podem ser grandes. Além disso, se pretendo atender individualmente cada aluno com frequência quinzenal, temos aí outro limite.
Por isso, quem garante uma vaga está, ao mesmo tempo, fazendo com que outra pessoa só possa fazer a Oficina em outro momento (caso ela seja oferecida) e me remunerando por meu custo de oportunidade.
Pouco depois de fazer o pagamento, você receberá o primeiro exercício do curso — um texto curto que deve ser escrito antes da primeira aula.
Tendo entendido essas condições, caso esteja interessado, mande um email dizendo qual a turma da sua preferência (veja, abaixo, «Turmas e calendário»), como pretende pagar, e envie seus dados para a nota fiscal: nome completo, CPF, endereço, telefone. (Eu nunca vou enviar mensagem para você, não tenho nenhuma lista de marketing, são só dados pedidos pelo sistema da Nota Carioca.)
As turmas serão preenchidas por ordem de chegada, isto é, de pagamento.
Turmas e calendário
O número de turmas depende do número de interessados. Como esse número excedeu enormemente as minhas expectativas, proponho inicialmente dois horários:
Sábado, das 9h30 às 12h da manhã, começando no dia 17/06 e indo até 02/09.
Quinta-feira, das 19h30 às 22h, começando no dia 15/06 e indo até 31/08.
Idealmente, cada turma terá 12 alunos, com 16 alunos no máximo.
De onde vem esse número? Jean-Pierre Dupuy, professor de Stanford, me disse ter boas experiências com turmas de até 12 alunos. Para os 16 alunos, vejo que o American Language Program da Universidade Columbia admite 16 alunos. Porém, quanto menos, melhor.
Se essas turmas lotarem, posso abrir outra às terças. Vou considerar o tamanho ideal de 12 alunos. A partir do décimo-terceiro inscrito, vou oferecer a opção do outro horário. Podemos ter uma nova turma na terça ou na quarta.
Se houver um número significativo de interessados em aulas durante a semana nos horários da manhã ou da tarde, podemos conversar.
Não haverá aulas nem encontros com alunos aos domingos, nem às segundas.
Sendo o curso é por Zoom, somente os feriados nacionais serão respeitados. Como não há feriados nacionais entre o dia da primeira aula e o dia da última, não haverá interrupções.
Aulas e encontros
O curso terá 12 encontros por Zoom. Cada encontro terá duas horas e trinta minutos, incluindo um intervalo de dez minutos.
Cada aluno poderá conversar comigo quinzenalmente sobre sua produção, em horário a ser marcado. Cada conversa terá no máximo 30 minutos. A ideia é que essas conversas sejam densas e proveitosas. As conversas acontecerão depois de o aluno receber seus textos com meus comentários e tratarão dos textos do aluno.
A produção do aluno
O aluno produzirá, no total, entre 4 a 8 textos de 500 a 600 palavras (mais o exercício para diagnóstico, com até 400 palavras), e 2 a 3 textos de 1000 a 1200 palavras (como referência esta mensagem tem 1867 palavras).
Digo «entre 4 e 8» e «2 a 3» porque o curso incentivará a reescrita dos textos. Assim, o aluno pode produzir 4 textos que, reescritos, totalizam 8 «trabalhos».
Todos os textos serão enviados em formato Word, com espaçamento 1,5, e fonte Georgia ou Times New Roman.
Cada texto receberá comentários meus na forma de marcas de revisão do Word. Se você não sabe visualizar marcas de revisão e comentários no Word, pode pesquisar no Google. Ou, durante uma aula, posso indicar onde procurá-las.
(Algumas pessoas podem não gostar do Word. Porém, ele é o padrão. O OpenOffice também serve. Você pode usar qualquer programa para escrever. Eu mesmo só uso iA Writer, Ulysses, e Scrivener. Porém, o resultado final tem de estar em Word. Sim, o OpenOffice permite a visualização de comentários.)
A entrega dos textos e a correção
O exercício diagnóstico deve ser entregue antes da primeira aula. Os demais textos devem ser entregues antes da aula semanal. Não se preocupe: caso você queira mudar seu texto após a aula, você pode reescrevê-lo. A reescrita é incentivada.
Agora, num curso universitário, cada trabalho vale nota, cada nota conta para um crédito, cada crédito conta para um diploma.
Num curso livre, o aluno não dispõe desses incentivos para entregar os trabalhos no prazo.
Entendo perfeitamente, tendo passado oito anos com dor crônica e sofrido um bocado com o pós-covid, que existem imprevistos.
Porém, sem prazos nada acontece: idealmente, os textos serão produzidos toda semana, e eu vou devolver cada texto com meus comentários o mais rápido possível.
Exceto em caso de problemas de saúde (meus ou do aluno), um mês após o fim da Oficina de Inverno não haverá mais comentários nem atendimentos.
Por fim…
Haverá alguma outra oficina depois dessa? Talvez sim, talvez não. Realmente não sei.
Estou muito honrado com o interesse enorme por esse projeto. Também estou muito feliz. A Oficina me deixa tremendamente empolgado. Aguardo sua mensagem, e muito obrigado!
Cordialmente,
Pedro