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049 Verdade e sadomasoquismo

Por que essa insistência de que a verdade é sempre dolorosa, de que o importante é cumprir obrigações dolorosas? Isso não é confundir o objetivo com o obstáculo?

O vídeo acima complementa a newsletter, sem repetir seu conteúdo.

Também, esta é a primeira semana em que testarei os free trials, porque o único caminho da newsletter é aumentar a quantidade de conteúdo pago e diminuir o conteúdo gratuito.

Não pretendo escrever textos que digam a você o que pensar, nem que sirvam como um conteúdo didático já pronto. Estou tentando escrever a respeito do que acontece, porque acontece muita coisa que nunca é descrita — coisas que ninguém tenta descrever.

1 Bloqueio

Emmanuel Carrère, que inspirou a segunda newsletter que mandei, conta do branco terrível que sofreu para escrever O adversário, um de seus livros mais famosos. A história, real, era também terrível e fascinante: após enganar todo mundo durante dezoito anos dizendo que tinha se formado em medicina e ido trabalhar na OMS, Jean-Claude Romand matou a esposa, os filhos, os pais, e tentou se matar.

Antes que o leitor se pergunte: o francês Romand dizia que, por trabalhar na Suíça, tinha acesso a vantagens bancárias extraordinárias. Assim, amigos e parentes punham seu dinheiro na mão dele — dinheiro que ele convertia esse dinheiro numa vida de classe média alta.

Carrère juntou as milhares de páginas do processo, suas entrevistas com Romand e com seus amigos, e, na hora de escrever, não saía nada. Foi então decidiu escrever uma carta ao editor explicando porque não conseguia escrever o livro… e a carta acabou virando o livro.

Esta newsletter é mais ou menos a mesma coisa. Só consigo ir pelas beiradas, mas, se fosse para expressar o que quero dizer de maneira muito condensada, seria: como expressar, hoje, uma verdade que não pareça vir do sadomasoquismo?

Claro que não estou pensando em látex nem em chicotinhos. Mas, de certo modo, estou sim.

2 Uma explicação didática do masoquismo e do sadismo

É preciso afastar a ideia de que o sadomasoquismo teatral, sexual, seja apenas um modo um tanto esquisito de obter prazer. Talvez você pense que o Pedro é esquisito porque escreve com canetas-tinteiro ou gosta de variar os métodos de tomar café, e talvez ainda creia no dogma fundamental da nossa época: «se você gosta, então tudo bem».

O sadomasoquismo não tem a ver com isso. Ele é uma espécie de ritualização do desejo e da rivalidade. Imagine que eu só consigo gostar de quem não gosta de mim. Preparo-me para conquistar uma moça, e, em fez de oferecer uma grande resistência, ela se entrega logo. Por isso, eu a desprezo. Burramente, posso dizer que «ela é fácil» — na verdade, estou frustrado porque, se ela se oferece a mim, então só pode ser porque ela não vale nada. Se eu tenho algo, esse algo não vale nada. O MacBook Air que comprei em março de 2021 não vale nada; o que vale é o futuro MacBook Air, que talvez seja lançado nesta terça, 8 de março de 2022.

Quem é, então, o masoquista? É aquele que entendeu que só existe desejo «de verdade» onde há uma recusa. Ele não está em busca de prazer: está em busca de desejo, de «sentir que está vivo» porque deseja. Ele está procurando aquilo que não vai se entregar, o adversário que nunca será vencido.

Se você tentar ler algo a respeito do sadomasoquismo sexual, verá que os masoquistas (conhecidos como «submissos») não falam em prazer, mas no orgulho que têm de aguentar tais e tais golpes. Por baixo das roupas, eles escondem de nós, os não-iniciados, os roxos que ficaram de cada sessão, os apetrechos doloridos que talvez usem o tempo inteiro, por ordem do dominador. Isso não tem nada a ver com prazer.

Como explica René Girard no capítulo sobre sadomasoquismo de Mentira romântica e verdade romanesca, o masoquismo vem antes do sadismo. Primeiro o sujeito procura esse objeto que não pode ser possuído. Primeiro ele faz o papel do homem rejeitado pelas mulheres, e associa seu desejo à sua humilhação, porque, afinal, se a mulher se entregasse, ela não valeria nada, ela estaria no mesmo nível dele. Por isso ele ou ela ostentam seus roxos e suas degradações.

É quando o sujeito se cansa de sempre desempenhar esse mesmo papel que ele passa a querer ser sádico. Em vez de receber os golpes, ele quer desferi-los. É a hora da vingança. Depois de ser humilhado, chegou a hora de humilhar.

3 Enfim, verdade e sadomasoquismo

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Pedro Sette-Câmara
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