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076 «Sereis como deuses»

Por que um curso SOBRE marketing

Este é um texto que fala do meu novo curso: «Sereis como deuses: teoria mimética e marketing». Ao final, explico o tema de cada aula.

O texto vale por si — não é um mero comercial.

1 Tropeçando num problema

Uma das grandes ingenuidades da minha vida foi ter esperado encontrar nos livros de marketing uma excelente teoria do desejo. Logo descobri que essa expectativa era equivalente a pedir ao Pelé uma aula de física sobre a mecânica do chute. O negócio do Pelé é chutar, não explicar.

Digo isso porque a primeira coisa que um marqueteiro faz nos seus livros é estabelecer suas credenciais de marqueteiro. Criou a empresa tal, vendeu não sei quanto. Muito bem. Em seguida, o livro apresenta uma grande metáfora fácil de entender: é a Vaca roxa do Seth Godin, é Storynomics do Robert McKee, cujo subtítulo já tem algo de tese de doutorado: Story-Driven Marketing in a Post-Advertising World (livro, aliás, que eu mesmo traduzi).

Fica evidente que o livro também é uma empreitada comercial, meio explicativa, teórica, mas também meio motivacional. O autor precisa fazer com que o leitor (que também é marqueteiro, ou aspirante a marqueteiro) se sinta inspirado, parte de uma nova onda, na crista do futuro, essas coisas. E tudo bem escrever livros para que sejam vendidos. Eu também escrevo para os outros.

Mas aí é que começa o problema deles e surge a minha oportunidade.

Assim como Pelé nunca escreveu Teoria do Chute a Gol, nenhum livro de marketing que eu tenha consultado tem uma teoria satisfatória a respeito do desejo.

Os livros recorrem, por exemplo, à Pirâmide de Maslow. Aquela da hierarquia das necessidades. Talvez a teoria de Maslow seja muito profunda, mas, da maneira como é apresentada nos livros, é difícil levá-la a sério. A hierarquia pressupõe que, depois que suas necessidades «fisiológicas» (em português corrente, a expressão tem outro sentido…) e de segurança sejam atendidas, começam outras necessidades. Mas é muito fácil ver que ela não corresponde à observação, que ela é apenas um modelo racionalista. Qualquer pessoa, em qualquer situação, talvez até mesmo num estado animalesco de fome, pode ser capturada pelo desejo.

Esse desejo vai ser sentido como uma necessidade. Uma criança que «precisa» de um brinquedo não é diferente de um adulto que «precisa» de um Porsche, e quem trabalha com moradores de rua sabe que, mesmo na situação de maior carência, eles brigam entre si — às vezes até a morte — por motivos que nos parecem triviais.

Tanto é que Dostoiévski, nas Memórias do subsolo, nem se dá ao trabalho de «refutar» esse utilitarismo, preferindo apenas zombar dele. A mim parece que a insistência nesse racionalismo utilitarista esconde um medo — totalmente compreensível — de perceber que somos muito mais irracionais do que gostaríamos de admitir, muito mais sujeitos ao desejo, muito mais dependentes da boa vontade dos outros.

Os livros de marketing também falam do cérebro. Mas, para mim, falar de cérebro em livros de marketing é apenas usar um truque. Acho que nem o autor percebe o truque. O cérebro, é claro, não é um sujeito agente, não é um titereiro puxando os fios da marionete que é você. Mas falar em «cérebro» traz um verniz científico que encerra a discussão. É como dizer «estudos apontam» ou «neurociência».

(Não existe até o «neuromarketing»? Enfim.)

Neuromarketing? O senhor está falando sério? O curso do Pedro explica as coisas a partir da literatura, do dia-a-dia, pô

A era pré-histórica costuma vir junto com o cérebro, num viés evolucionista. Basicamente, você argumenta que a vida pré-histórica era assim, a evolução é lenta, logo nosso cérebro ainda é assim, mesmo na vida moderna.

Duas coisas me chocam — sim, me chocam — nessa argumentação. Primeiro, a quantidade de pressupostos ocultos. Tratar a premissa básica como algo totalmente certo — «assim era a vida pré-histórica» — quando é altamente especulativo… A segunda premissa eu também já vi contestada: haveria indícios que a adaptação dos organismos não seria tão lenta assim.

Porém, o pior de tudo é: para que tanta complicação para explicar por que alguém quer comprar um vestido ou um curso online?

Aqui realmente parece que o Pelé, o grande marqueteiro de sucesso, está tentando explicar a teoria do chute a gol. Está recorrendo ao equivalente moderno de deuses e de forças misteriosas.

2 A oportunidade

Lendo tudo isso, e já tendo estudado bastante a teoria mimética de René Girard, percebi que era possível elaborar uma explicação para o marketing que não recorresse a essas premissas. Uma explicação mais simples, que valesse tanto para quem compra quanto para quem vende. Que ajudasse o comprador a entender por que ele deseja o vestido ou o curso online, e o marqueteiro, a entender melhor seu próprio ofício.

Porém, faço isso como uma pessoa da teoria, como professor, não como marqueteiro.

Eu também estava fascinado pelo que eu mesmo passei a chamar de «marketing de influência», porque não apenas ele inverte a ordem habitual de uma operação comercial, como ainda deixa totalmente explícita a teoria mimética.

Os livros de marketing ainda são muito voltados para a seguinte situação: uma empresa tem um produto e precisa vendê-lo. A campanha de vendas surge depois do produto. É claro que o produto já é feito para um determinado público, mas a comunicação a respeito dele vem depois dele.

O influenciador da internet vive a situação inversa: primeiro ele estabelece uma relação com o público, e depois ele encontra algo para vender que interessaria a esse público. Como se a Nike primeiro fizesse campanhas e só depois decidisse que o negócio era vender tênis.

É isso a teoria mimética: desejamos algo porque outra pessoa deseja (ou parece desejar). Você vê o influenciador com sua família numerosa, com sua fortuna, com seu conhecimento, com suas canetas-tinteiro (afinal…), e, depois de ver essas pessoas, deseja ter o que elas têm. Por isso é que os cursos online tantas vezes trazem, nem tão oculta assim, a promessa de «vou ensinar você a ser parecido comigo».

Esse influenciador, é claro, é visto como um deus. Ele conhece o bem e o mal. Ele tem a vida que o seguidor (acha que) gostaria de ter. Ele instiga desejos nos outros. Ele motiva, ele inspira. Se você não for como ele, a vida parece indigna. Na hora em que ele abre o carrinho, isto é, abre o portal para o outro mundo, você, que já tem guardado o anseio de ser como ele, aproveita a oportunidade.

Eu até poderia admitir que Seth Godin intuiu algo disso em Tribos, mas… faltou-lhe justamente a base teórica para descrever a situação. Faltou Dostoiévski.

Por isso, comecei a trabalhar, lendo, observando, e anotando. O curso Desejo & Orgulho me ajudou a entender várias coisas. Shakespeare me ajudou a entender a necessidade de esconder essa dependência dos outros — tanto que já escrevi um texto a respeito disso na newsletter.

Bem. Você pode gastar trocentos dinheiros se quiser para aprender o último mecanismo da moda. Mas também pode fazer o curso do Pedro, muito mais barato, e entender a base de todos os mecanismos do desejo de uma vez

3 A estrutura do curso

O curso deve ter oito aulas. Em seis, apresento a base teórica.

Outras duas ficam só para responder perguntas.

Nas seis aulas teóricas, vou:

1. Discutir o comercial Retratos da beleza real, da Dove, para mostrar como dependemos do olhar dos outros mais do que gostaríamos de imaginar.

2. Apresentar a estrutura do desejo, falando de rivalidades, da necessidade de ser diferente, de anseios, e contestando a ideia de que o marketing não pode criar desejos.

3. Discutir a «distância» e como ela alterou as relações do marketing, colocando a ideia de «marketing de permissão» em outro contexto.

4. Discutir que tipo de pessoa é o «influenciador». Ele é a vítima sacrificial das culturas primitivas, o herói trágico de Aristóteles.

5. Explicar o double bind, que é o mecanismo fundamental da esquizofrenia, do televangelismo, e que foi (talvez inconscientemente) reciclado na internet para manter um público cativo. («Cativo» é a palavra-chave.)

(Já tenho um texto e uma pequena explicação a respeito disso.)

6. Discutir as ideias de storytelling e de «jornada do herói», mostrando que o que está por trás delas é na verdade uma projeção do orgulho.

Esses temas já foram parcialmente esboçados em textos diversos. Agora, porém, acredito que formem uma unidade que vai trazer muito mais clareza para quem quiser entender como funciona o marketing, e, principalmente, para quem quiser entender a tentação de… ser como um deus.

Serão liberadas duas aulas por semana, durante três semanas. Na quarta semana, vamos discutir as aulas e outras questões que surjam.

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Pedro Sette-Câmara
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Pedro Sette-Câmara