No meu ramo, aquele história de «quem não sabe, ensina» é totalmente furada. Prefiro a lenda mui verdadeira que diz que, se você quer realmente dominar um assunto, então o ensine. Porque aí de fato você vai não só organizar o seu pensamento como — esta é a parte que não contam — ainda vai verificar em primeira mão várias coisas que lê.
1 Penélope, um caso de amor? Bem…
Até esta sexta (19/05), estou vendendo o curso A história do amor e do casamento.
Assim, fui lá verificar algumas verdades que eu dava por veneráveis e estabelecidas, como o amor de Penélope por Ulisses. Até já vi um Clube das Penélopes, de inspiração conservadora, e sempre me perguntei se era um clube de mulheres que aceitam bem que o marido passe três anos morando com outra, desde que no fim volte para casa.
Mas, piadas à parte, abri a Odisseia na tradução de Frederico Lourenço para rever o famoso amor de Penélope. Se o leitor não se lembra, um pouco de contexto: a guerra de Troia tinha durado dez anos. Os guerreiros gregos voltaram para a Grécia. Ulisses, porém, não voltou. Daí surge um mistério: o que houve? Morreu na viagem de volta? Telêmaco, seu filho, vai procurá-lo. Depois de um tempo, Penélope tem vários pretendentes. As leis da hospitalidade grega obrigam Penélope a receber todos em casa, e eles exigem que ela escolha um novo marido. Para enrolar, ela diz que vai tecer um manto funerário para o pai, e, quando terminar o trabalho, apontará um felizardo. Mas… à noite ela desfaz tudo o que fez de dia.
Por que Penélope fez isso? Por que esperou Ulisses? Por amor? Amor romântico? Amor além da vida? Amor eterno? Bem, deixemos Penélope falar. Eis o que ela diz a Ulisses logo após aplicar-lhe um teste para garantir que ele é mesmo quem diz que é:
Mas agora não te encolerizes nem enfureças contra mim
porque, ao princípio, quando te vi, não te abracei logo.
É que o coração no meu peito sentia sempre um calafrio quando
pensava que aqui poderia vir algum homem que me enganasse
com palavras. Muitos só pensam no mau proveito.
Helena, a Argiva, filha de Zeus, nunca se teria deitado
em amor com um homem estrangeiro, se soubesse
que os filhos belicosos dos Aqueus a trariam
novamente para casa, para a amada terra pátria.
Porém o deus levou-a a cometer um ato vergonhoso;
e ela não ponderou antecipadamente no coração
o castigo amargo, a partir do qual viria para nós a tristeza.— Canto XXIII, vv. 213-224; tradução de Frederico Lourenço
Paráfrase (perdão, Penélope, eu sei que você sabe se expressar, vou fazer meu mansplaining porque você falou em versos e tal): «Vai que eu caso com alguém, você volta, e eu viro uma nova Helena. Não apenas eu seria chamada de vagabunda, como ela, como ainda por cima haveria outra guerra e eu me sentiria culpada pela morte de muita gente, como ela.»
O lindo amor de Penélope é, em suma, um louvável gesto de prudência. Ela é uma mulher tão astuciosa quanto Ulisses. Mas será que gosta dele? Talvez bastasse admirá-lo.
Gostar por gostar, se você gosta de pensar na construção da obra, nada mais delicioso do que lembrar que Penélope pode ser conhecida por tecer e desfazer o tecido, mas o que Helena está fazendo quando aparece pela primeira vez na Ilíada? Tecendo.
2 O amor romântico & a família tradicional
Penélope não viveu o amor que eu — sim, eu mesmo — defino como «romântico» porque esse amor tem de ser individualizado. Ela teria de ser amada por ser quem é, e não por ser «virtuosa». Igualmente, Ulisses teria de ser sua alma gêmea. Porém, a verdade é que Ulisses queria Helena (sim, aquela, e que ainda por cima era prima de Penélope). Helena tinha tantos pretendentes que não sabia o que fazer. Então Ulisses propôs a seu pai o seguinte: deixe Helena escolher, e faça todos jurarem que protegerão o escolhido. (Assim nasceu a guerra de Troia.) Helena escolheu Menelau, de Esparta, e seu pai achou o estratagema de Ulisses tão engenhoso que lhe deu Penélope de presente.
Prêmio de consolação? Nem tanto. Uma mulher como Penélope era mesmo muito valorizada. Ela lembra a mulher de Provérbios, 31, que não tem muito da rainha do lar da «família tradicional», criada pela burguesia inglesa do século XIX. Mas a rainha do lar da «família tradicional», por sua vez, espera ser amada por quem é, e não porque mantém a casa arrumada.
Admito que essa é uma daquelas perguntas típicas de bobo da corte que tanto me agradam: e você, gostaria de ser amado porque alguém está cumprindo um dever, sendo fiel a um compromisso, ou gostaria de ser amado por quem você é?
(Teologicamente, creio que Deus gosta de nós gratuitamente, não por dever.)
Eu poderia me estender um pouco mais quanto à família tradicional, mas, para promover o curso, acabei fazendo uma live, disponível no Iultúbio enquanto as inscrições estiverem abertas:
(Se o vídeo já está como privado, é porque já virou bônus do curso.)
No vídeo, falo dos três elementos da família tradicional: o casamento por amor, o marido que sustenta a casa com a mulher que cuida da casa e dos filhos, e os filhos que vivem uma infância inocente. Esses três elementos não poderiam ter se juntado antes do século XIX; não poderiam ter se juntado sem Iluminismo, livro industrializado, e Revolução Industrial.
No mais, falo com vocês em breve. Obrigado aos que assistirem e sobretudo aos que comprarem! Nos vemos no grupo do curso no Telegram e nas aulas por Zoom.
No mais 2, fiquem ligados: acho que precisamos de mais encontros pelo Zoom.