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123 Do que estamos falando quando falamos de amor
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123 Do que estamos falando quando falamos de amor

O Seminário de novembro tratará de amor & limerência

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nov 04, 2024
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Informações do seminário de novembro

Aulas: 6, 13, 20, e 27 de novembro de 2024. Os temas estão dados neste texto.

Horário: 20h às 22h (costumamos passar, a turma é empolgada).

Tem gravações? Sim, as reuniões ocorrem no Google Meet e suas gravações são disponibilizadas pelo Google Drive. É bom ter uma conta do Google. Se você já se inscrever com seu email do Google (não precisa ser um Gmail)…

Inscrições: PIX de R$ 180 (R$ 153 para assinantes pagantes da newsletter) para ps@pedrosette.com ou R$ 197,77 no cartão de crédito. O assinante pagante encontra um cupom de 15% de desconto ao fim da newsletter.

Ao inscrever-se, envie um email (por favor, mesmo que pague pelo cartão, sou uma equipe de um homem só) para receber os links para as aulas.

(E sim, o seminário sobre Eu via Satanás cair como um relâmpago virá em breve; se você se inscrever nos dois, terá um desconto.)

A maior história de limerência da literatura: Werther vê Charlotte pela primeira vez. A cena sempre me lembra do poema de Thackeray cantado por Cleo Laine (embora ela cante «he» no lugar de «she»: «she was cutting bread and butter»)

O involuntário

Talvez eu já tenha começado algum texto com uma das minhas observações favoritas, mas quero muito repeti-la: se você perguntar às pessoas se elas acreditam em Cupido, um menino pelado que atira flechas desde uma nuvem, elas dirão que não, de jeito nenhum; por outro lado, se você examinar suas expectativas, seus critérios para julgar um «amor verdadeiro», vai ver que elas vivem como se acreditassem exatamente no menino da nuvem — e eu mesmo não tiro sua razão.

Isso porque algumas das nossas experiências mais preciosas são, assim como a flechada de Cupido, involuntárias. Ao menos, são efeitos que não parecem poder ser provocados diretamente. Posso ter disciplina e estar atento, mas não posso, só com decisão e força de vontade, sentir-me inspirado agora mesmo. (Posso escrever sem inspiração, o que é outra coisa.) Os maiores momentos de prazer e também de contemplação pedem mais que eu esteja relaxado e aberto do que um cuidadoso planejamento. Daí, para ficar num exemplo inocente, que exista a turma que desdenha das propriedades — prepare-se! — organolépticas de um vinho, enfatizando que o prazer está no momento, na confraternização, e não na bebida em si. E todos já lemos os grandes artistas explicando que a inspiração simplesmente vem como que do nada, e por isso eu mesmo enfatizo a importância de dedicar tempo a… não fazer nada.

Não que toda experiência involuntária seja positiva. Há motivos para desejar a flechada de Cupido e há motivos para temê-la. Essa flechada pode ser a droga que desencadeia um período imensamente criativo, mas também pode trazer a mais pasmacenta melancolia — melancolia essa na qual o sujeito ainda por cima se compraz, exatamente como o Romeu da peça antes de conhecer Julieta, o Romeu vocacionado para a flechada, que passava as noites suspirando pelas ruas de Verona.

Também não precisamos medicalizar essa melancolia, falar em depressão, e muito menos em antidepressivos. Basta aqui reconhecer que ela existe, e que, na literatura dos últimos séculos, ela foi particularmente identificada com a ideia do amor. Quando uma pessoa vive como se desejasse a flechada do Cupido, ela deseja a euforia, a criatividade, a sensação de onipotência. Mas essa flechada, esse «amor» involuntário também pode deixar a pessoa incapaz de ter prazer em qualquer coisa, meditabunda (ao menos antes do smartphone; hoje ela ficaria stalkeando o amado), vivendo de migalhas e esperanças, numa paralisia comparável à do conde Orsino na cena de abertura de Noite de reis.

Minha hipótese pessoal é que essa paralisia, que vou deixar de chamar de «amor» agora mesmo, pode ser explicada pelo double bind. Mas, para chegar a essa hipótese, tive de primeiro conhecer a noção de «limerência».

Dorothy Tennov x Heidi Priebe

Em 1979, a psicóloga Dorothy Tennov criou o termo «limerência» (limerence) para tentar descrever «a experiência de estar apaixonado». Em seu livro, Love and Limerence,, não há uma distinção clara entre amor e limerência: com o neologismo, ela pretende cobrir desde aquilo que Dante Alighieri sentiu por Beatriz Portinari (uma mulher casada com quem ele trocou poucas palavras ao longo da vida; não posso linkar o artigo em português, porque se trata de uma tradução com problemas graves) até relacionamentos entre casais que vivem da melhor maneira a famosa conjunção carnal. Aliás, para Dorothy Tennov, o caminho mais feliz possível para um relacionamento é passar da limerência para o «vínculo de par» (pair bond); se algo merece o nome de «amor», creio que ela diria estar em alguma dessas fases.

Minha leitura de Dorothy Tennov foi influenciada pelos vídeos indispensáveis que Heidi Priebe fez sobre o tema. Priebe, ao contrário de Tennov, não é oficialmente psicóloga, mas tem seu mestrado na teoria dos apegos de John Bowlby. O que ela propõe é uma distinção importante o suficiente para alterar vidas inteiras, mas, como só a conheço de vídeos do YouTube, não sei se é uma distinção que ela própria elaborou. E insisto: é uma daquelas distinções que, uma vez captadas, jamais podem ser descaptadas.

Antes de explicar essa distinção, só vale a pena recordar que aqui não estamos no reino do essencialismo; não vamos dizer que limerência é x, e amor é y; vamos dizer que, se limerência é x, então amor é y. Uma definição depende da outra.

Para Priebe, a limerência é sobretudo uma forma de fantasia. Se Dante Alighieri não tinha um relacionamento real com a Beatriz real, e só se relacionava com a Beatriz que existia em sua imaginação… Mas também, se você, mesmo que se relacione com uma pessoa, não consegue enxergar como ela é de verdade, e continua dialogando principalmente com a figura que está na sua cabeça, então você está vivendo a limerência. Na Amiga genial, nossa querida narradora Lenu logo vê quem é Nino Sarratore, mas não enxerga. Passam-se vinte anos antes que ela perca as esperanças de que a fantasia se torne realidade.

Com essa nuance de Heidi Priebe, entendemos melhor aquele caminho perfeito dos relacionamentos apresentado por Dorothy Tennov, sempre muito ciosa de tratar a psicologia de maneira mais científica e menos literária: a passagem da limerência para o vínculo de par seria a conversão da fantasia num vínculo real.

Isso, é claro, não é impossível. Mas também vemos o quanto pode ser raro. Quantos casamentos não terminam porque, nas palavras dos esposos, «o amor acabou»? Aqui, é claro, estou usando «amor» no sentido do senso comum; se quisermos ser precisos, diríamos: «Acabou a limerência, acabou a fantasia, e, quando caí na real, vi que me casei com um estranho. Como isso foi possível?»

Sobre o «amor», aqui entendido num sentido forte, distinto da «limerência», Heidi Priebe dirá algo tão maravilhosamente simples que me custa acreditar que ninguém tenha pensado nisso antes. Ao mesmo tempo, neste mundo repleto de relacionamentos virtuais, sua definição soa nada menos do que urgente: se a limerência é uma fantasia, o amor, por sua vez, existe entre duas pessoas reais, presentes ao mesmo tempo, no mesmo lugar, a partir de seus corpos. Elas interpretam mais corretamente do que equivocadamente as intenções uma da outra, a personalidade uma da outra, e isso é verificado pela escassez da sensação de que «a Fulaninha / o Fulaninho não está agindo como eu acho que ela agiria».

Aqui vemos desde Lenu que espera que Nino Sarratore largue a esposa para ficar com ela até o namorado que espera uma namorada um pouco mais princesinha do que a realidade. São relacionamentos que ocorrem a partir da fantasia e não da percepção de quem o outro realmente é. São relacionamentos baseados na limerência e não no amor, e é claro que a limerência é muito mais comum do que o amor jamais foi.

Antes de encerrar esta seção e passar para a investigação que quero propor no Seminário de novembro, vale recordar que a limerência, como qualquer fantasia, pode servir para proteger o sujeito de alguma coisa, e também que ela pode indicar uma porta para o crescimento pessoal. Quando você fantasia com tal coisa, o que exatamente você está tentando obter? A resposta não é necessariamente óbvia, mas pode ser um modo seguro de sair da paralisia dos apaixonados, ou melhor, dos limerentes. O que você acha que só vai obter se tiver aquela pessoa amada?

A investigação de novembro

Parece que a literatura nos dá pistas a respeito das pessoas que criam uma predisposição para viver a limerência. Ao mesmo tempo, a noção de limerência nos permite reinterpretar certas obras de arte.

Primeiro, quero investigar o que René Girard chamou de «doença ontológica», isto é, a sensação de que, em linguajar acadêmico, somos «sujeitos precários», e, em língua corrente (ou numa gíria idosa), somos o cocô do cavalo do bandido. Os outros sempre parecem melhores, mais plenos, mais sabidos, mais vividos. Quem me parece documentar melhor essa experiência é Fernando Pessoa, principalmente no contraste entre certos poemas dos heterônimos Alberto de Campos e Ricardo Reis. Para entender esse contraste, uso um pouco de Auden interpretando Hölderlin nas Aulas sobre Shakespeare (a tradução é minha, aliás).

Segundo, quero discutir um capítulo (curto, cuja tradução farei) de Sobre o amor (essa tradução eu nunca li, só tenho o original), de Stendhal. Dorothy Tennov dialoga muito com esse texto de Stendhal, que discute as fases da formação do amor. Porém, posso criticar a leitura de Tennov, que não notou que o Stendhal mais velho, o Stendhal de O vermelho e o negro, passou a discordar do Stendhal mais jovem de Sobre o amor, e começou a pôr na conta da vaidade coisas que antes estava na conta do amor… Quem nota isso é René Girard em Mentira romântica e verdade romanesca.

Terceiro, quero discutir a limerência como double bind. Para isso, vou me apoiar bastante na leitura do Werther, de Goethe, e obviamente vou me referir à Amiga genial. (Nas aulas, explicarei os exemplos. Você não precisa ler os textos, embora, obviamente, isso não atrapalhe.) Também quero discutir alguns poemas considerados «de amor», para que nos perguntemos: amor ou limerência? Será que muitos dos terríveis sofrimentos sentimentais relatados nos poemas não podem ser reduzidos a um «a senhora não está agindo de acordo com as minhas fantasias»?

Por fim, é inevitável perguntar: existem representações realistas do amor, amor verdadeiro, amor sem limerência, na literatura? Ou talvez no cinema? Onde estão? Para mim mesmo essa questão está aberta, mas espero ter uma resposta até o fim do mês.

Se você quiser discutir tudo isso, e também falar do debate Tennov x Priebe a respeito da limerência a partir da teoria mimética, as instruções estão no começo da mensagem! Estamos formando um grupo muito interessante e animado. (Aliás, ao entrar, você é convidado para um grupo do WhatsApp.)

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