Pedro Sette-Câmara

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136 Seminário: O pecado desde o fundo do poço

136 Seminário: O pecado desde o fundo do poço

A teoria mimética explicando a construção do «eu» – e onde o pecado entra nessa

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mai 10, 2025
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136 Seminário: O pecado desde o fundo do poço
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Minha ideia original era fazer um Seminário sobre os sete pecados capitais. Mas, por mais que eu tentasse formatar a proposta, um estudo preliminar sobre o pecado, recordando a base da teoria mimética, era indispensável. Assim, se você deseja entender como a teoria mimética explica a formação de um «eu», e como o pecado se instala nesse «eu», este seminário é para você.

Aliás, você pode também adquirir o Seminário de Introdução ao Desejo Mimético.

Depois das informações, uma reflexão sobre o pecado e a bibliografia inicial do seminário

Informações

Encontros: 14, 21, e 28/05, das 19h30 às 21h30, pelo Google Meet. (Sim, agora começamos um pouco mais cedo.)

Preço por PIX: R$ 135, enviados para ps@pedrosette.com, R$ 115 para assinantes da newsletter. Por favor, envie o comprovante por email.

Preço por cartão: R$ 150 com pagamento pela Stripe. O assinante pagante da newsletter encontra um cupom de desconto de 15% ao fim da mensagem. Por favor, envie o comprovante por email.

Para combinar este Seminário com o Seminário Grandes Textos, veja esta newsletter.

Eu nem sei por onde começar. Mas esse jardim do Éden fortificado, com direito a torres, talvez seja o mais perturbador

Primeiro começo: o «filho pródigo»

O tema do pecado é tão rico que, admito, mal sei por onde começar. E penso em imitar Emmanuel Carrère, que começa seu Ioga dizendo justamente que, já que é preciso começar por algum lugar, então comecemos assim: pela parábola do filho pródigo.

Várias vezes já recomendei a interpretação da parábola feita por James Alison. (Ele começa a falar ali pelos dez minutos do vídeo.) Nela, não temos mais o filho no centro, mas o pai que apaga a si mesmo («the self-effacing father»), o pai que prefere desaparecer.

James Alison retoma em sua apresentação um ponto fundamental, que ouvi pela primeira vez mais de trinta anos atrás, numa palestra… da Renovação Carismática Católica. Eis: quando o filho pródigo está na pior, já gastou tudo, ficou sem dinheiro, e está cuidando de porcos (lembremos que o porco é para o judeu um animal impuro, então para ele a humilhação é especial) para sobreviver, ele percebe que até os servos da casa do pai têm tratamento melhor e decide voltar.

O filho pródigo não tem um arrependimento moral. Ele faz apenas uma constatação simples. Estou na pior. Fiz um monte de besteira. Como pude chegar a esse ponto? A decisão de voltar é puramente racional.

Se alguém acha que há um grande arrependimento, James diz que a frase ensaiada — «Pai, pequei contra os céus e contra ti» — é uma reprodução direta daquilo que Faraó diz a Moisés quando seus feitceiros são derrotados. Faraó não está falando sério; está fazendo bico e querendo ganhar tempo.

O filho não precisa fazer grandes penitências para reconquistar o pai. O pai o recebe imediatamente. Nem o deixa terminar a frase de «arrependimento». A única coisa que o filho precisou fazer foi…voltar. E, para voltar, ele só precisou reconhecer que estava na pior.

Isso não é semelhante àquele fundo do poço a que muitos viciados aparentemente precisam chegar para então decidir mudar de vida? O que os motiva não é a força de vontade, mas a força da constatação. A força de vontade vem depois, e talvez não possa nada sem a força da constatação.

A força de vontade e a contrição existem em função da vida boa perdida, do tempo perdido. O pai da parábola é que pode permitir a contrição — mas ele não espera que o filho fique contrito para merecer alguma coisa.

A parábola nem fala em pecado. O viciado que decide sair do buraco não está pensando, naquele primeiro momento, em termos morais. Não precisamos, agora, moralizar nada. Basta reconhecer: até mesmo os servos na casa do meu pai têm tratamento melhor. A pessoa sóbria mais careta está melhor do que o cracudo que dorme ao relento. O vício não compensa. Não dá para viver assim.

Então eu pergunto: mas não podemos chamar exatamente isso de pecado? Aquilo que fazemos sem propriamente querer, que fazemos por compulsão, que nos leva a grandes enrascadas? Aquilo de que gostaríamos de nos libertar e não conseguimos? E vejam que o grego aphíemi, um dos verbos que traduzimos como «perdoar», significa justamente «soltar, liberar…»

Segundo começo: culpa e vergonha

Eu também poderia abordar o tema por outro ângulo. Seria mais um dos meus false starts na perpétua busca do escritor por um fio perfeito que transforme o caleidoscópio num filme, que junte os argumentos numa argumentação.

Lá vamos outra vez.

O cristianismo leva a fama de difundir a culpa no mundo, mas nisso ele me parece um bode expiatório. Arrisco dizer que, quando o católico diz na missa mea culpa, mea maxima culpa («minha culpa, minha tão grande culpa»), encolhendo-se durante o ato de contrição, talvez caindo de joelhos num gesto dramático, não é culpa o que ele está sentindo, mas… vergonha.

Existe uma distinção bem estabelecida entre culpa e vergonha. Culpa é algo que você sente em relação a algo que você fez; vergonha é algo que você sente em relação a algo que você acha que é. Tenho culpa de ter deixado de estudar para a prova; não me sinto irremediavelmente burro e preguiçoso.

Dizendo de outro modo: em relação à vergonha, a culpa é relativamente simples. Você pode dizer que fez tal coisa, e lamenta, que você não é aquela pessoa, etc., e só pode dizer isso sinceramente porque você tem outro parâmetro para relacionar-se. A culpa não faz com que você se sinta intrinsecamente errado, provavelmente incorrigível. A culpa só pode ser percebida quando você tem uma certa tranquilidade e tem na sua vida relacionamentos positivos que sirvam como bons modelos (que você imita sem perceber). Assim, na hora do tropeço, você sabe que tropeçou, se levanta, e segue em frente. Sim, claro, limpando o pó, reconhecendo o tropeço, talvez o joelho machucado, arrependido porque o tropeço foi causado por uma imprudência, você não deveria ter desafiado a chuva, em vez de sair com esse sapato que escorrega deveria ter pego aquela bota, etc. Mas você vai se recuperar.

Com a vergonha é diferente. Primeiro, a vergonha pode recobrir uma culpa. Você tropeça e quer fingir que está tudo bem, mas seu joelho está doendo. De tanto fingir que o joelho não está doendo, você começa a sentir a dor como normalidade. Ou ainda: você não apenas tem vergonha de algo, daquela coisa inconfessável (porque acha que, se confessá-la, provocará a rejeição absoluta), como tem vergonha de ter vergonha. Assim, a vergonha vai, de certo modo, separando você de você mesmo, criando camadas de fingimento.

Essa me parece a experiência comum das pessoas. Você, por exemplo, tem vergonha do seu peso, da sua aparência. Porém, é vergonhoso ter vergonha da própria aparência. Imagine você dizer aos seus amigos: «Galera, hoje eu não vou porque me achei muito feio.» Assim, em vez de fazer algo que você quer — ir à praia, ir a qualquer lugar onde o estilo taliban não esteja na moda —, você não apenas não faz como ainda diz que nunca quis fazer, e que está tudo bem assim. Ou então você encontra os bodes expiatórios de sempre: os padrões da sociedade, por exemplo. «Estava eu indo à praia quando os padrões da sociedade me impediram com seus cassetetes.» E aqui volto à primeira frase do texto: você queria fazer algo, não fez, e disse que a culpa da frustração dos seus desejos é da culpa cristã.

Na maior parte do tempo, estamos envergonhados demais para sentir culpa. Estamos encolhidos demais. Não só: se você acredita que você é intrinsecamente errado, como algum dos seus atos poderia não ser um erro?

(Quanta vergonha sentiu o filho pródigo até tomar coragem para voltar para a casa do pai?)

A culpa, como falei, depende do contraste com uma experiência positiva. Por isso, para passar da vergonha para a culpa, para poder chegar a sentir culpa, é preciso entrar num novo relacionamento positivo, mudar a própria maneira de relacionar-se, para que a vergonha possa receber o nome de vergonha e não de «mas eu nunca quis ir à praia mesmo, isso é coisa de gente superficial».

(Não que eu esteja dizendo que você seja capaz de mudar isso apenas com a força de vontade. Fique comigo que vou esclarecer.)

São dois pontos de vista distintos. Aquele que está perdido, envergonhado, tem vergonha disso e não admite nem para si mesmo que está envergonhado. Aquele que sabe que estava envergonhado pode dar o nome certo às coisas, e, mesmo discernindo o quanto a vergonha motivou seus atos, encontrar sua parcela de culpa. Esses dois pontos de vista distintos aparecem na bela canção que cita o Evangelho: I once was lost, but now am found; was blind, but now I see («já estive perdido, mas fui encontrado; era cego, mas agora enxergo»), referindo tanto a parábola da ovelha perdida quanto o episódio do cego de nascença.

Costumamos associar o pecado à culpa, mas por que ele não estaria presente também nos atos que estão associados à vergonha, nos comportamentos compulsivos, naquilo que faz com que sintamos que somos errados e incorrigíveis?

Estou interessado na experiência do pecado. Na experiência real. Tudo isso que falei ganha corpo quando pensamos no seguinte exemplo. Se eu, que tenho bastante controle do meu apetite para o vinho, tomo uma taça a mais, eu sei que naquele momento estou sendo guloso, cobiçoso, que estou indo além da satisfação. Nesse momento, o pecado é claro. Por outro lado, se eu como e bebo por entretenimento, isto é, por tédio; se como e bebo porque no fundo sinto que minha vida não tem sentido, e ao menos os apetites estão aí, sim, eu posso continuar sendo guloso, mas não experiencio isso como gula — tanto que, se eu abandonar a comida e a bebida, vou encontrar outro jeito de tapar o mesmo buraco.

Assim, se você for uma pessoa religiosa, você vai até saber, apenas mentalmente, que está «pecando», mas esse pecado não será sentido na sua consciência moral, digamos. Você está ocupado demais sentindo nojo de si mesmo; tire o sorvete, a comida, a bebida, e vai ficar só o nojo. Você não pode abandonar sua compulsão, e normalmente só vai tentar abandoná-la quando ela própria criar novos problemas (alterar sua aparência, impedir você de trabalhar, etc.).

Nesse caso, você talvez não tenha a lembrança da casa do pai, ou outro parâmetro para saber que a vida pode ser melhor do que isso. Mas isso, essa maçaroca semiconsciente de compulsões da qual você deseja libertar-se não é o que mais merece ser chamado de «pecado»?

Não estou dizendo isso para moralizar a situação. Estou dizendo precisamente que, se você sabe que está na pior, para que serve acrescentar uma descrição moralizante? Por acaso o filho pródigo, vivendo com os porcos, precisava de alguém que lhe dissesse que ele era moralmente errado? Quem seria insano a ponto de ir à cracolândia dizer que os cracudos são moralmente errados? Se você pede ajuda para abandonar compulsões que você nem sabe de onde vem mas que são muito prejudiciais, por que dizer que você é moralmente errado?

O que me interessa é ver o pecado desde o ponto de vista do pecador que sabe que está na pior, ou que ao menos suspeita disso. O que me interessa é encontrar o discurso que poderia ajudar o pecador a ir desatando os nós que o prendem — um discurso de perdão, de liberação, portanto.

O seminário

Apesar dos false starts, o Seminário deve começar com uma proposta firme, que é entender o pecado à luz da teoria mimética. A ideia inicial era estudar os sete pecados capitais, mas vi que é preciso, primeiro, discutir o próprio pecado. Não a definição de pecado, mas o modo de enxergar o pecado, de localizá-lo nas nossas vidas. Mais ainda, um modo misericordioso e não santarrão de ver o pecado — afinal, se eu o enxergo na minha vida, como poderia apontar o dedo para a vida do outro? E, se é fácil detectar a culpa, como detectar a vergonha?

No momento, devo me basear nas seguintes leituras para as aulas:

James Alison, The Joy of Being Wrong (na tradução brasileira: O pecado original à luz da ressurreição), começando na segunda parte.

James Alison, «Humility: a Loser’s Virtue, the Route to Reality, or Both?»

Jean-Michel Oughourlian, Um momo chamado desejo (tradução minha).

Tomás de Aquino, as questões sobre os pecados na Suma Teológica e em De malo.

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