Prosa livresca — eu e minha esposa Priscila Catão nos juntamos para falar de livros. A primeira conversa foi sobre uma das perguntas que sempre recebo na caixinha do Instagram: vale a pena ter um Kindle? Bem, eu acho que o Kindle é excelente para uma leitura imersiva. Quer esquecer da vida? Ótimo. Agora, se você precisa consultar as notas (digamos que você esteja lendo a tradução da Bíblia do Frederico Lourenço), aí o Kindle perde para o papel. Mas volta a ganhar na hora em que você precisa fazer consultas: nada como abrir o aplicativo do Kindle no iPad e catar uma palavra, uma frase.
A conversa foi gravada no nosso cenário de guerrilha, com quadro torto (um pôster que nossa amiga Alina nos deu, porque gostamos muito de Buttes-Chaumont).
(E não, eu não escrevo nos meus livros. De jeito nenhum.)
Notes — Logo depois que eu pensei no «Quebra-Cabeças», com notas curtas, o Substack criou o «Notes», que me parece uma ferramenta bem legal. Já publiquei algumas notas lá, e publicaria mais se houvesse mais leitores. Cabe a mim avisá-los! (Eu poderia ter mandado um email automático do Substack, mas pelo amor de Deus.)
Falando em Bíblia — Como católico, minha preferência total e irrestrita pela tradução da Bíblia de João Ferreira de Almeida (nesta versão do site BibleGateway) vem do seguinte.
Ao longo dos anos, devo ter traduzido uns noventa ou cem livros. Volta e meia aparecia uma citação bíblica. Como católico, eu procurava naturalmente as Bíblias católicas mais acessíveis: a Ave-Maria e a Bíblia de Jerusalém. Mas com certa frequência havia alguma discrepância esquisita entre os textos da Bíblias católicas e as citações que apareciam nos textos que eu traduzia. A tal ponto que, se eu tinha instruções para usar uma Bíblia em particular, precisava fazer malabarismos ou avisar a editora que não ia rolar.
A tradução de Ferreira de Almeida, porém, estava sempre certinha. Eu sempre podia usá-la. Como me formei em grego antigo, eu sempre ia fuxicar o texto grego para ver se pescava algo. E o texto grego me levava mais para a Ferreira.
Por que é assim? Não sei. Só sei que, quando eu for preso, espero que um colega protestante me empreste a sua Ferreira.
Dificuldades — Não menosprezo as dificuldades de traduzir do grego e do hebraico bíblicos. Por isso, apenas narrei minha experiência.
Mas já escrevi uma newsletter a respeito do trecho crucial de Hebreus 12, 2: ou Cristo aceitou a cruz por causa da alegria (como diz a Ferreira, como dizem a King James e todas as traduções inglesas que já consultei, inclusive a New Revised Standard Version católica), ou recusou a alegria e ficou com a cruz (como traduz até mesmo o Frederico Lourenço).
Nessa divergência de tradução — e tradução é uma forma de interpretação de texto — há uma divergência fundamental quanto ao sentido da religião e da própria vida humana. Deve ser a maior questão de tradução de todos os tempos.
E ainda falando em Bíblia — faz tempo que não recomendo ninguém aqui, mas talvez meu texto favorito do nosso Substack em português é «Relembre e apague seu nome», de Ariela K. Ariela, judia, também fala daquilo que nós, cristãos, chamamos de «Antigo Testamento», e vale conferir seu texto recente sobre o Levítico.
Numa nota pessoal — meu aniversário se aproxima (haverá outra newsletter antes dele, dia 1? Não sei), mas creio que vou realmente comemorar o fim de oito anos de dor crônica e incapacitante, junto com o pós-covid. Levei anos para descobrir (isso após ir a todo tipo de médico) que as «enxaquecas» aleatórias que eu sentia eram um misto de dor de cabeça tensional vinda da cervical, com um problema na articulação temporal-mandibular, e bruxismo. Estou me tratando desde outubro e já posso dizer que, quando a dor vem, ela não é mais incapacitante. A fisioterapeuta já fala em me dar alta. Meu segundo tratamento de pós-covid está tendo excelentes resultados. Agora estou apenas tremendamente fora de forma, mas já estou perdendo o medo de recuperar a forma, porque sei que não vou ter uma dor de cabeça incapacitante.
(Eu tinha essas dores uma, duas vezes por semana. Vinham com uma náusea forte.)
Um detalhe é que fiquei ainda mais fanático por ergonomia. Fico sonhando com uma mesa caríssima com regulagem de altura. Algo para a casa nova — alugamos um apartamento aqui em Copacabana mesmo, e logo teremos um novo cenário de guerrilha para os meus cursos e para a «Prosa Livresca».
Questões de design — E, falando sério, quem foi que decidiu que todas as mesas deveriam ter 75 centímetros de altura? Foi ter começado a usar uma mesa dessas que forçou meus ombros e tensionou minha cervical. Existe uma questão aí.
Meu interesse por canetas-tinteiro já me levou a observar que as canetas mais modernas, em geral, são bem maiores do que as antigas. Eu mesmo não gosto de canetas modernas gigantescas, mas minhas favoritas, a série M805 da Pelikan e as Auroras Optima e 88 atuais — sempre em prata —, já seriam consideradas grandes para os padrões de antigamente.
As TVs ficam maiores, as porções em muitos restaurantes ficam maiores, e eu não estou reclamando da tela de 24” do meu iMac, embora uma tela de 27” já seja avassaladora a ponto de me deixar perturbado.
Será que veremos um retorno a proporções mais adequadas? Terei de contratar um marceneiro ou comprar uma mesa com altura regulável de 4 mil reais para poder ter a altura que desejo, que é de 68cm com o tampo?
(Sim, eu uso apoios de pés. Não, eles não bastam.)
E nem falo do tamanho dos smartphones. Lembro de quando vi em 2012 um turista asiático com um telefone Samsung gigantesco. Eu ri. Naquela época, essa engenhoca era chamada de phablet. Hoje eu tenho um iPhone mini que é maior do que o meu primeiro iPhone, e a ideia de um dia ter um iPhonão me assusta.
Peter Gabriel — Peter Gabriel entrou em turnê recentemente. Hoje me lembrei de uma das músicas que mais ouvi na adolescência, com a voz dele: