Cineclube girardiano — No próximo sábado, 13 de julho, os assinantes pagantes da newsletter estão convidados a discutir comigo o filme Questão de honra (A Few Good Men), com roteiro de Aaron Sorkin. Neste momento, o filme está disponível no Prime Video. Ele me parece um bom pretexto para discutirmos o esfacelamento do sagrado a partir de René Girard. Enviarei o link aos assinantes pagantes no próprio sábado.
Gostaria de manter um encontro mensal com os assinantes, e o cineclube girardiano pareceu uma boa ideia. Aceito sugestões. Mas não, por favor, de filmes óbvios demais. Qualquer história de rivalidade escancarada já parece «girardiana» e dispensa comentários.
Jonathan Haidt — Hoje, basta começar a questionar a tecnologia para que surja o nome de Jonathan Haidt. Ainda não li seus livros, mas acompanho seu Substack, e tenho uma reserva muito simples: foi só no dia do lançamento americano de A geração ansiosa que ele disse ter descoberto Marshall McLuhan e entendido que «o meio é a mensagem».
Uma coisa é você propor, como ele propõe, que adolescentes não usem smartphones até os dezesseis anos. (Nem digo que daqui a pouco ele vai querer proibir o tabaco e a cerveja também.) Outra coisa é ter a consciência de que até mesmo a infância que Haidt quer preservar foi possibilitada por um certo «ambiente informacional», na expressão de Neil Postman.
Não digo que Haidt seja conservador, não sei qual é sua posição, mas os conservadores em geral parecem crer que havia um mundo de verdades eternas que foi minado pela Revolução Francesa, pelo Renascimento, pela Teoria Crítica da Raça, pelo funk carioca. Na verdade, boa parte daquilo que nós direitosos valorizamos são criações culturais possibilitadas pela preponderância da palavra impressa.
A infância é uma dessas criações. Sim, a infância pode ter algo de natural, mas, como diz o próprio Postman, ela parece ser como a linguagem: se uma pessoa não for exposta à linguagem, não desenvolverá essa capacidade. Se uma criança não for poupada de certos conteúdos — o que é chamado de «preservar sua inocência» — porque vive num ambiente em que todas as informações estão disponíveis o tempo todo, não terá infância.
Aliás, se não há crianças, também não há adultos. As pessoas apontam a «adultescência», mas nunca a vi associada ao fim da infância. O adultescente deve ser a criança que dançava funk carioca e que, aos nove anos, já fazia skincare e sabia escolher produtos na Sephora. Podemos também perguntar aos adultescentes quando eles começaram a ver sexo e violência com regularidade.
(Entre começar a escrever esta newsletter e terminá-la, fui ler o começo de The Anxious Generation. Nada auspicioso.)
Como uso a tecnologia — Não sei se é possível «resolver esse problema» para toda uma cultura, mas sei que cada um de nós pode cuidar do próprio ambiente informacional, e pode ter uma relação crítica com a tecnologia. Ter uma «relação crítica» não significa falar mal, significa entender qual papel cada objeto desempenha, entendendo que toda situação pode se tornar uma crise. É uma perspectiva «ecológica»: se você tirar ou inserir tal elemento, você não tem a situação antiga menos ou mais um elemento, mas uma situação totalmente nova.
Uma regra que tirei de Neil Postman foi a seguinte: antes de usar qualquer nova tecnologia, preciso ter uma demanda própria anterior à tecnologia. É por isso que não uso Siri nem Alexa; esses assistentes virtuais talvez sirvam para algo, mas nunca senti falta deles, nem tenho a menor vontade de dirigir a palavra ao meu iPhone ou a uma caixa de som.
Meu uso de cadernos e de canetas-tinteiro também tem a ver com isso. (Tenha o leitor em mente que li Postman pela primeira vez em 1995; acompanho a mudança tecnológica já com esses olhos há quase trinta anos.) Simplesmente quero manter ao menos uma parte de mim do jeito como sempre foi. Não quero que minha atenção se fragmente. Além disso, sei que sou capaz de digitar até quatro vezes mais rápido do que manuscrevo (já medi), mas é exatamente a lentidão de pensamento, a concentração demorada, que desejo preservar. Conveniência e eficiência não são valores supremos na minha vida.
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Aliás, é por isso, também, que sou o maior usuário de iPad que conheço. Escrevo e traduzo no iPad. Passei anos com um iPad mini, e há alguns anos tenho um iPad Air 4 verdinho. Meus teclados Bluetooth e meu Magic Trackpad me auxiliam. Por que um iPad? Porque ele induz ao monotarefismo e à concentração. Multitasking is evil.
Publiquei um vídeo a respeito do tema no meu perfil no Instagram e lembro que estão abertas as inscrições para o Seminário de Tecnologia de julho.
A direita na França — Para mim, é um pouco mais do que assustador ver acontecer na França o que já aconteceu nos EUA, no Brasil, na Argentina… Não digo que o assustador seja a ascensão da direita. O que é assustador é que a esquerda — e isso só é problemático porque a esquerda é que se julga razoável, iluminada, a melhor, a zelite — continue incapaz de ouvir a direita, de entender de onde vem suas reclamações. Porém, há em sua reação um mecanismo que também está presente em outras situações, uma diferença entre a posição do expert esclarecido e a vivência real do povão. (E pensar que a esquerda também se orgulhava de estar em contato com o povo. Mas enfim.)
Um exemplo. Uma questão muito estudada nas humanidades brasileiras é a bendita questão da identidade nacional. E a posição mais comum, inteiramente razoável, também a minha, é de que, culturalmente, a nação é uma ficção constantemente reinventada; por isso, não faz sentido pensar numa identidade nacional fixa e estável. A minha tosca contribuição para esse debate é que no entanto a língua portuguesa parece dar alguma estabilidade ao conjunto.
Agora imagine que eu, nascido e criado no Leme e em Copacabana (o Leme é só uma ponta da praia de Copacabana), de repente me deparo com a maciça imigração de venezuelanos. Com o tempo, meu bairro se torna bilíngue. Vejam, eu sou um intelectual cosmopolita que se sente bem numa cultura internacionalizada; gosto de brincar dizendo que só quero viver perto de onde as pessoas tomam matcha latte e comem pão de fermentação natural. Talvez eu achasse até divertido ter tantos venezuelanos. Mas imagine que eles até me hostilizassem, me dissessem que agora o bairro é deles, e falassem que eu, um reles brasileiro, tinha de me mandar, que meu lugar não era aqui.
Se eu reclamasse de uma situação assim, eu seria de «extrema-direita», e, portanto, uma bruxa a ser caçada, um mal intolerável que «não passará»?
Para muitos franceses, o que sucede é uma situação análoga. Creio que, se existissem elites francesas, elites no sentido nobre e idealista do termo (não sei de país nenhum que tenha elites nesse sentido), essas elites saberiam ouvir a dor dessas pessoas e dar uma resposta menos tosca do que a resposta que elas dão. Porque a resposta que é dada é aquela resposta do especialista, do doutor em Letras: veja, a identidade nacional é uma ficção, sempre reescrita… Se houvesse elites, elas seriam capazes de discernir o sentimento por trás da expressão tosca. Se eu tenho uma dor de dente, não preciso saber qual é o último paper acadêmico a respeito da dor de dente.
Estamos nos encaminhando para um mundo um tanto assustador: um mundo em que não há centro político, não há crianças, não há adultos, não há elites; só há o poder cru da violência. Naturalmente, podemos impedir tudo isso. Mas não poderemos impedir tudo isso e manter as mesmas ilusões. A direita pode aprender história e descobrir que suas verdades e instituições eternas foram inventadas nos séculos XVIII e XIX; a esquerda pode descer do pedestal acadêmico.
Isso acontecerá? Nada impede que, para um certo número de pessoas, sim, com certeza.
Anton Sanko — Creio que Mia Hansen-Løve e Mikhaël Hers são os herdeiros de Eric Rohmer. Creio que Os passageiros da noite é um filme sublime, e tenho ouvido constantemente sua trilha sonora, composta por Anton Sanko. A trilha está disponível no Spotify.