Trechos do meu diário #002
Sobre ser bem-informado & anotações sobre a ética do marketing
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Ser bem-informado
Outro dia vi o Joel Pinheiro no Instagram explicando, nas respostas da caixinha (será que daqui a décadas ou apenas poucos anos teremos de explicar o que era a caixinha de perguntas?), o que era preciso para ser comentarista de jornal. Foi uma boa resposta, porque ele falou daquilo em que consiste o trabalho do bom comentarista. O primeiro requisito era «estar bem-informado». E eu sempre valorizo essa experiência direta. Os jovens não sabem se querem ser médicos ou tradutores literários ou astronautas, e também não sabem em que, exatamente, consiste o trabalho dessas pessoas. Por isso, eles não fazem avaliações realistas. Conhecer um dia de trabalho dessas pessoas, de preferência o dia mais banal, e se perguntar, muito detidamente, se você encara ter milhares de dias como esse (olha que, com duzentos dias de trabalho por ano, você já chega em dois mil) me parece o melhor teste.
Eu mesmo, como qualquer pessoa que tem um Substack, já desejei ter uma coluna de jornal e ser universalmente celebrado por minhas opiniões tremendamente perspicazes. Eu seria a águia de Copacabana e o Brasil esperaria, mordendo os lábios até sangrar verde e amarelo, o meu aval para começar a ver a nova série da Netflix. Ou o Brasil leria com mal disfarçada inveja os relatos da minha vida em Paris — «quem não tomou uma taça de vinho na Rue des Abesses ao entardecer não viveu» (o que tem lá seu fundo de verdade).
O detalhe é que, retomando o Joel, eu não sou «bem-informado». Não leio jornais, não sinto falta, sei que Lula é o presidente, Alckmin é o vice, o cara que fez Imhotep em A múmia é um juiz importante, e é isso. Não estou interessado nem mesmo no conclave. Não acompanho estreias, nem vejo por que acompanharia. Decididamente não quero escrever a resenha de livro nenhum, a menos que eu mesmo decida escrever essa resenha.
Tudo isso, porém, são trabalhos. Considero, com Neil Postman, que são trabalhos da indústria do entretenimento, que o jornalismo é essencialmente uma forma de entretenimento, que tudo que não afeta meus planos é entretenimento, e não digo isso para ofender. (E, pela convenção textual, este é meu diário. Não preciso me explicar.)
Assim, eu queria apenas a glória e a adulação, sem querer o trabalho. Imagine acompanhar o noticiário, ficar pensando em Donald Trump, e depois ainda precisar ter uma opinião sobre Donald Trump para o esclarecimento das massas. Deus me livre.
(Porém, eu tenho uma opinião, mas não baseada no noticiário: Trump e Bolsonaro são homens do subsolo. Especificamente, são versões de Fiódor Karamázov.)
Agora, creio ter conseguido algo melhor. Este Substack já está quase pagando o aluguel do mês, e nele eu falo do que quiser.
Anotações sobre a ética do marketing
À primeira vista, parece que a virtude da modéstia seria contrária ao marketing. Primeiro porque não é possível ser sonso e exaltar seus próprios feitos porque você está «apenas dizendo a verdade». Se aceitássemos esse argumento, não pensaríamos que a modéstia também inclui não exibir o corpo, já que, enfim, cada pessoa verdadeiramente tem o corpo que tem.
O exemplo do corpo é que aponta para o objetivo da modéstia, que é evitar a cobiça e a inveja. A pessoa modesta não é obrigada a ter sucesso, e, desde um ponto de vista criminal, decerto a responsabilidade está com os invejosos e cobiçosos; mas aqui não estamos falando da esfera criminal.
E não se trata apenas de evitar um certo tipo de olhar vicioso, mas de evitar também suas consequências. Você exibe suas virtudes, suas riquezas, e em seguida as nega; esse é o escândalo bíblico, é a chave do ressentimento, que, em certas circunstâncias pode levar à violência. Se você sofrer a violência de um cobiçoso ou de um invejoso, eu direi que você tem razão; mas não necessariamente direi que você está dispensado da prudência. Afinal, antes de atravessar o sinal, eu olho para os dois lados; se eu for atropelado, terei razão; mas não é melhor ainda não ser atropelado?
A questão do marketing é que ele é, como disse R., a criação de mercados, isto é, a geração de desejos. E, como não vivemos como caçadores-coletores, e nossas necessidades estão muito além da subsistência (o que inclui até a moderníssima ideia de um seguro-saúde), todos nós que não estamos enclausurados como monges ou freiras estamos envolvidos na geração de desejos.
Deve haver, portanto, um modo virtuoso de gerar desejos. Decerto esse modo sofrerá uma «concorrência desleal», mas por vários motivos creio que ele é viável, sobretudo numa escala pequena ou até mesmo média.
No caso do influenciador de Instagram, a principal questão é: como gerar conexão sem provocar o escândalo, o double bind? (Isso sabendo que inevitavelmente algumas pessoas ficarão escandalizadas. Mas podemos ter a intenção reta e agir com seriedade.)
A mim parece que o escândalo pode ser evitado das seguintes maneiras:
Simplesmente não mostrando objetos ou conquistas incomuns ou particularmente inacessíveis, a menos que a inacessibilidade venha de algo da própria natureza (eu, Pedro, nasci em 1977, tive certas experiências; já quem nasceu em 1997…).
Ao mostrar certos objetos preciosos, enfatizar a conexão pessoal com eles e que eles podem ser o fruto do trabalho. Não vou dizer que uma caneta Otto Hutt é «a caneta do gentleman» (seria até bem engraçado eu dizer que minha caneta favorita, no estilo Bauhaus, tem algo de Downton Abbey), mas que eu gosto de canetas pesadas, feitas de metal, etc. E que sim, pode ser «absurdo» ter uma caneta de 200 dólares, mas eu não tenho filho, nem casa, nem carro… e ninguém se escandaliza com um iPhone último tipo que, no Brasil, pode facilmente chegar a 2 mil dólares.
No caso de bens imateriais, como a cultura, sempre deixar claro qual foi o caminho seguido, enfatizando que, ainda que o seguidor vá pelo mesmo caminho, ele chegará num lugar diferente.
Enfatizar o custo da obtenção até mesmo do conhecimento.
Algo que não faço, e não sei se deveria fazer: compartilhar dificuldades. Cheguei a cogitar «documentar» a minha jornada na tentativa de organizar-me… Mas essa «documentação» dá trabalho!
Eu vivo pensando sobre esse marketing, muito bom ler sua visão.
Bom o ponto 5 tem infinitos content creators falando sobre, seria o mais rentável com certeza! Já ouviu falar das streamings de "coworking" no Twitch? Não parece ser apenas sobre peitos por lá (mas claro que ajudam).